Há uns meses atrás, e ainda recentemente, podíamos ler nas
notícias e jornais “2011 fica marcado pela crise de dívida soberana europeia,
ainda consequência do aumento do endividamento de todos os actores económicos
durante as últimas décadas”. Entenda-se que quando se fala em actores
económicos está-se a falar nas empresas, nas famílias e no Estado.
A cada mês que passa, os indicadores do Banco de Portugal
relativamente ao endividamento das famílias e ao incumprimento contratual daí
resultante são cada vez mais gravosos. É assim há cerca de dois anos e irá
continuar.
Vários são os factores que explicam esta problemática em Portugal. A adesão de
Portugal à zona euro e o processo de convergência que a precedeu, dando origem
a uma era de estabilidade de preços e de juros nominais relativamente baixos.
Em simultâneo ocorreu a “democratização” do crédito, potenciada pela
liberalização da banca e pela inovação financeira, levando a uma forte
concorrência do lado da oferta. O crédito e o endividamento deixaram de servir
sobretudo para fazer face a circunstâncias excepcionais de falta de liquidez.
De modo a responder a uma procura alargada e constante, a banca simplificou os
seus procedimentos, aumentando a acessibilidade e a rapidez da resposta. Quer
isto dizer que, a fim de ganhar vantagem no mercado, a banca facilitou o
processo de obtenção de crédito, não avaliando, talvez, na sua plenitude o
risco dos clientes. Toda esta situação levou a que as famílias consumissem mais
que o seu rendimento disponível, sobreendividando-se.
O endividamento é bom, porque permite aceder a um conjunto
de bens e serviços, que de outra forma nunca se poderia ter. São exemplos
emblemáticos, a compra de habitação e de automóvel. Agora o que relaciona e
configura as preocupações de todos aqueles que se dedicam ao estudo e
acompanhamento deste fenómeno, é a utilização do crédito de forma totalmente
inconsciente e de forma desregrada. Custa ver cada dia mais portugueses
entrarem no mercado do crédito sem terem alguém que os ajude a fazer contas e
que inevitavelmente irão entrar em incumprimento, com as graves consequências
anteriormente referidas.
Dados revelados pela Central de Responsabilidades de Crédito
do Banco de Portugal concluíram que, em 2010, mais de 4,6 milhões de
particulares deviam quase 153,6 mil milhões de euros aos bancos nacionais.
Segundo o Diário Económico, cerca de 13,8%, ou seja, 636.000 famílias estão a
falhar os pagamentos à banca.
No seguimento do já referido, foi anunciado há poucos dias
que o “investimento evapora”. Segundo uma publicação no Jornal de Notícias de
10 de Março, o investimento, apresenta o pior valor desde 1984, pouco antes do
processo de integração de Portugal na então CEE, e sendo a variável mais
decisiva para a criação de emprego no nosso país, está a ser amplamente
pressionado pela crescente falta de crédito às empresas. Sem investimentos não existirão
novos e melhores projectos, nem poderão ser revitalizados os já existentes, o
que levará a um aumento do já brutal nível de desemprego.
Independentemente da crise internacional que em finais de
2008 anunciou um conjunto de desgraças já conhecidas, a situação do
incumprimento contratual das famílias endividadas irá continuar, sem
perspectivas de novos grandes investimentos no nosso país, e sem uma melhoria
do nível desemprego. Paralelamente, a incapacidade de recuperação do emprego, a
braços com as perspectivas cada vez mais negativas para a zona euro e com a
austeridade simultânea em muitos países, não ajudam no restabelecimento da
economia mundial.
Cláudia Santos
[artigo de opinião produzido no âmbito da
unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3.º ano da Licenciatura
em Economia da EEG/UMinho]
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