domingo, 18 de março de 2012

Endividamento e Investimento

Há uns meses atrás, e ainda recentemente, podíamos ler nas notícias e jornais “2011 fica marcado pela crise de dívida soberana europeia, ainda consequência do aumento do endividamento de todos os actores económicos durante as últimas décadas”. Entenda-se que quando se fala em actores económicos está-se a falar nas empresas, nas famílias e no Estado.
A cada mês que passa, os indicadores do Banco de Portugal relativamente ao endividamento das famílias e ao incumprimento contratual daí resultante são cada vez mais gravosos. É assim há cerca de dois anos e irá continuar.
Vários são os factores que explicam esta problemática em Portugal. A adesão de Portugal à zona euro e o processo de convergência que a precedeu, dando origem a uma era de estabilidade de preços e de juros nominais relativamente baixos. Em simultâneo ocorreu a “democratização” do crédito, potenciada pela liberalização da banca e pela inovação financeira, levando a uma forte concorrência do lado da oferta. O crédito e o endividamento deixaram de servir sobretudo para fazer face a circunstâncias excepcionais de falta de liquidez. De modo a responder a uma procura alargada e constante, a banca simplificou os seus procedimentos, aumentando a acessibilidade e a rapidez da resposta. Quer isto dizer que, a fim de ganhar vantagem no mercado, a banca facilitou o processo de obtenção de crédito, não avaliando, talvez, na sua plenitude o risco dos clientes. Toda esta situação levou a que as famílias consumissem mais que o seu rendimento disponível, sobreendividando-se.
O endividamento é bom, porque permite aceder a um conjunto de bens e serviços, que de outra forma nunca se poderia ter. São exemplos emblemáticos, a compra de habitação e de automóvel. Agora o que relaciona e configura as preocupações de todos aqueles que se dedicam ao estudo e acompanhamento deste fenómeno, é a utilização do crédito de forma totalmente inconsciente e de forma desregrada. Custa ver cada dia mais portugueses entrarem no mercado do crédito sem terem alguém que os ajude a fazer contas e que inevitavelmente irão entrar em incumprimento, com as graves consequências anteriormente referidas.
Dados revelados pela Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal concluíram que, em 2010, mais de 4,6 milhões de particulares deviam quase 153,6 mil milhões de euros aos bancos nacionais. Segundo o Diário Económico, cerca de 13,8%, ou seja, 636.000 famílias estão a falhar os pagamentos à banca.
No seguimento do já referido, foi anunciado há poucos dias que o “investimento evapora”. Segundo uma publicação no Jornal de Notícias de 10 de Março, o investimento, apresenta o pior valor desde 1984, pouco antes do processo de integração de Portugal na então CEE, e sendo a variável mais decisiva para a criação de emprego no nosso país, está a ser amplamente pressionado pela crescente falta de crédito às empresas. Sem investimentos não existirão novos e melhores projectos, nem poderão ser revitalizados os já existentes, o que levará a um aumento do já brutal nível de desemprego.
Independentemente da crise internacional que em finais de 2008 anunciou um conjunto de desgraças já conhecidas, a situação do incumprimento contratual das famílias endividadas irá continuar, sem perspectivas de novos grandes investimentos no nosso país, e sem uma melhoria do nível desemprego. Paralelamente, a incapacidade de recuperação do emprego, a braços com as perspectivas cada vez mais negativas para a zona euro e com a austeridade simultânea em muitos países, não ajudam no restabelecimento da economia mundial.
Cláudia Santos
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3.º ano da Licenciatura em Economia da EEG/UMinho]

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