quinta-feira, 24 de outubro de 2019

A pobreza é uma inevitabilidade?

Segundo a Comissão dos Direitos Sociais, Económicos e Culturais das Nações Unidas, a pobreza pode ser definida como uma “condição humana caraterizada pela privação sustentada ou crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o gozo de um adequado padrão de vida e outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais”, ou seja, de uma forma mais simples, poderíamos dizer que a pobreza é a privação das condições básicas para termos acesso a uma vida digna.

No seio da União Europeia (UE), a pobreza é normalmente medida em função dos limiares de pobreza monetária relativa, o que implica calcular os rendimentos médios equivalentes dos agregados familiares de um determinado país. A linha da pobreza é, pois, estabelecida e corresponderá a uma percentagem desse rendimento médio. Na UE, considera-se que uma pessoa se encontra “em risco de pobreza” quando os seus rendimentos são inferiores a 60% do rendimento médio por agregado familiar do respetivo país.
No dia 17 do mês de outubro,  celebrou-se o Dia Internacional para Erradicação da Pobreza e há motivos para celebrar. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2018, sobre rendimentos do ano anterior, indica que 17,3% da população estava em risco de pobreza, em 2017. Pelos cálculos do Instituto Nacional de Estatística (INE), era pobre quem auferia um rendimento anual inferior a 5607 euros (467 euros por mês). A taxa de 17,3% representa o nível mais baixo desde 2003, ano em que o Instituto Nacional de Estatística começou a tratar este indicador, anunciando na altura uma taxa de 20,4%. Desde então, os valores foram descendo, paulatinamente, no sentido de uma convergência com a União Europeia. Em 2008, Portugal exibia uma taxa de 17,9%, no entanto, com a crise, a taxa voltou a subir – chegando a alcançar os 19,5%, em 2013.
É de destacar que, a amenizar este número recorde, encontram-se as prestações sociais, como pensões, subsídio de desemprego e rendimento social de inserção. Se estas não existissem a proporção de pessoas em risco de pobreza seria de 45%. É de salientar, também, que a maior taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais por grupo etário se verifica na população com 65 anos ou mais. Em 2017, a taxa fixava-se nos 89,7% neste grupo, mostrando a sua dependência das transferências sociais. De notar que, mesmo após as transferências sociais, 17,7% da população com 65 anos ou mais vivia numa situação de pobreza naquele ano. Mas são as crianças e os jovens até aos 18 anos que continuam a ser, efetivamente, o grupo populacional mais afetado pela pobreza, nomeadamente pela pobreza monetária, ou seja, que vivem em agregados familiares cujo rendimento ‘per capita’ é inferior a 60% da mediana do rendimento nacional ‘per capita’, apresentando uma taxa de risco de pobreza de cerca de 19% após transferências sociais.

Comparativamente aos 28 países da UE, Portugal está pior do que a média dos seus parceiros comunitários, com apenas dez países a apresentar piores resultados. Considerando os três elementos que definem o risco de pobreza, o Eurostat indica que 16,9% da população da UE estava em perigo mesmo sendo beneficiária de subsídios sociais (17,3% em Portugal), 5,8% estava em risco de privação material severa (6,0% em Portugal) e 9,0% vivia em agregados familiares com baixa intensidade de trabalho (7,2% em Portugal).

É certo que a trajetória recente é bastante positiva, devendo-se em grande medida à recuperação económica do país, à queda do desemprego e ao crescimento económico. Deve-se, igualmente, a uma preocupação acrescida das políticas públicas com as questões sociais, bem como a preocupação de priorizar o crescimento dos rendimentos das famílias de menores rendimentos. No entanto,  estes novos indicadores não podem relativizar a ideia de que Portugal continua a ser um dos países com maior pobreza e com maiores níveis de desigualdade na Europa. É quase impossível não ficar arrepiado com a realidade de um país onde duas em cada dez pessoas são pobres e, se não fossem os apoios públicos para combater a pobreza, quatro em cada dez estariam em situação de pobreza.

Mas a questão que se põem é se a pobreza é uma inevitabilidade? Na minha opinião, o nosso mundo atingiu níveis de desenvolvimento científico e tecnológico capazes de garantir um combate eficaz à pobreza e às desigualdades. Falta, no entanto, o mais importante: garantir uma economia capaz de responder às necessidades das pessoas e políticas públicas que tenham coragem de fazer a redistribuição de riqueza necessária. As políticas públicas e a sociedade no seu conjunto ainda têm um longo caminho a percorrer para construir uma sociedade mais coesa, socialmente mais justa, com menos pobreza e desigualdade.

Sara Vieira Ribeiro
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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