quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Combate à pobreza, um desafio (im)possível?

Durante muito tempo as questões de pobreza e desigualdade na distribuição dos rendimentos foram ignoradas pelas principais instituições financeiras internacionais, como o FMI, e pela macroeconomia, porém, atualmente essas mesmas questões têm assumido uma importância crescente e a redução e erradicação da pobreza tornou-se uma das temáticas centrais da economia do desenvolvimento. Como tal, a atribuição do Nobel da Economia a Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer vem-nos fazer refletir não só sobre como a metodologia experimental é um fator importante mas, sobretudo, como a ciência económica se encontra ao serviço da população e do seu bem-estar social e económico. O combate à pobreza mundial é uma prioridade, que não deve nem pode ser “deixada na gaveta” das agendas europeia e nacional.
         É um dado que o maior obstáculo à erradicação da pobreza é a existência de desigualdades ao nível de rendimentos, fundamentalmente motivadas pelas desigualdades dentro dos países e entre países. Se, por um lado, assistimos à diminuição da desigualdade na distribuição dos rendimentos no sul e leste asiáticos, em grande parte devido ao seu crescimento económico, por outro, continuamos a verificar que tanto na Ásia Ocidental, na América Latina como na África as desigualdades se acentuam e os níveis de rendimento diminuem continuamente.



         Poucas dúvidas restam de que o aumento da taxa de crescimento económico é fundamental para a redução da pobreza - a importância do aumento no PIB per capita é tanto maior quanto menor for o nível médio de rendimento inicial. Aliado a este fator, está a importância do crescimento inclusivo, ou seja, um crescimento que abranja todos os indivíduos, sendo capaz de diminuir as desigualdades na distribuição de rendimento dos países e, internamente, capaz de atenuar a exclusão e fragmentação social, devida em grande parte a uma governação medíocre e conflitos internos.
         Em África, a população cresce, anualmente, a uma taxa superior a 2%, o que implica que a redução, até 2030, dos níveis de pobreza extrema para menos de 5% obrigará a declínios extremos nas desigualdades e a uma combinação com o crescimento de 2 dígitos do PIB, um cenário nunca antes ocorrido.
         Numa perspetiva mundial, estimativas da ONU constatam que mais de 7% da população continuará em situação de pobreza até 2030, caso não ocorram transformações para diminuir, significativamente, as diferenças de rendimento entre e dentro dos países. O crescimento do PIB, por si só, não é um fator suficiente para promover melhorias significativas nos padrões de vida sociais. É fundamental, reconhecer que a multidimensionalidade da problemática da pobreza exige o desenvolvimento de um conjunto de medidas capazes de extrapolar a dimensão económica da questão, caso contrário tendências como as que se observam vão continuar a ser um entrave.
Desta forma, o investimento público em educação de qualidade e na ampliação do seu acesso, aliado a políticas de emprego, como o aumento do salário mínimo e a construção de uma proteção social adequada, e o investimento em serviços de saúde afiguram-se essenciais. Essenciais são, igualmente, apostas na resiliência às alterações climáticas e na inclusão digital e financeira, impulsionando a criação de empregos a curto prazo e crescimento económico, em transportes, energia e agricultura, priorizando o desenvolvimento de infraestruturas rurais que promovem a redução das desigualdades internas ao país e em sistemas fiscais progressivos aliados à política distributiva - que se assume como um fator de extrema relevância.
         Em Portugal, apesar da redução na taxa de risco de pobreza (17,3%), 2 em cada 10 pessoas são pobres e, na ausência de apoios públicos a situação piora significativamente, isto é, 4 em cada 10 estariam em situação de pobreza. O caminho a percorrer ainda é longo, mas tem-se construído.
Do ponto de vista económico, o aumento do salário mínimo conseguiu tirar trabalhadores da pobreza e reproduzir um efeito positivo nas contas públicas, assegurando a sustentabilidade necessária para reforçar os apoios sociais no combate à pobreza. Qual o próximo passo? Os números falam por si: cerca de 330 mil crianças estão em risco de pobreza, o grupo etário entre os 0 e 18 anos é o mais afetado. Assume-se assim, a forte necessidade de, num país com taxas de natalidade baixas, serem criadas oportunidades não só para os jovens crescerem saudáveis e nutridos como terem acesso a uma escola pública e um ensino superior capazes de se tornarem uma porta de saída da pobreza. Consequentemente, os jovens tornam-se aptos para contribuir ativamente e acrescentar valor na economia, criando impacto no crescimento económico. E, para além disso, há a quebra de um ciclo de pobreza que se perpetua por gerações.
         Mas, não ficamos por aqui, a pobreza energética é outras das nossas realidades. Se a nossa eletricidade não fosse uma das mais caras da Europa, o cenário talvez fosse diferente, mas para que assim seja são necessárias medidas políticas de redução do IVA da eletricidade e a redução das rendas exuberantes praticadas pelas companhias de eletricidade. Não podemos esquecer, igualmente, o ambiente de tensão que paira sobre os valores de arrendamento, em que uma grande parte do rendimento vai para as despesas com a habitação, e sobre os valores da pobreza de género, que afeta mais as mulheres, impondo a necessidade de medidas específicas de género nos objetivos de combate à pobreza e exclusão social.
         Em suma, considero que combater a pobreza e lutar por um mundo mais inclusivo, igualitário e sustentável a longo-prazo são prioridades que exigem determinação e responsabilidade coletiva. E existem, neste momento, dois elementos chave neste desafio: a identificação das áreas onde as pessoas pobres vivem, para que as políticas sejam direcionadas mais eficientemente; e uma “libertação” do investimento público, para que este combate comece a tomar, realmente, proporções significativas.

         Andreia Amorim

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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