sábado, 5 de outubro de 2019

Uma descentralização entre avanços e recuos

A descentralização é o processo de transferência de competências que são exercidas pelo estado central, que inclui o estado, para entidades sub-nacionais, nomeadamente as autarquias. O conceito de descentralização envolve inúmeros aspetos, nomeadamente financeiros, políticos e administrativos.
Portugal é dos países mais centralizados da OCDE. Estima-se que apenas 13% da despesa das administrações públicas é gerida pelas entidades sub-nacionais. Dito de outra forma, Portugal apresenta um grau de descentralização de aproximadamente 13%.
         No entanto, o cenário começou a inverter-se em agosto do ano transato com a aprovação da lei-quadro da transferência de competências para a autarquias, graças aos votos favoráveis de PS e PSD. De acordo com a mesma, a transferência de competências torna-se obrigatória em 2021 e são 23 as áreas cujas decisões passam a ser tomadas pelos municípios e freguesias, destacando-se a saúde, educação, habitação, justiça, ação social, cultura ou património. Neste ano letivo, há 73 autarquias que já vão assumir novas competências na área da educação no âmbito da descentralização, recebendo no total 257 milhões de euros para fazer face às despesas de 280 escolas que eram anteriormente suportadas pelo Ministério da Educação, como as refeições escolares, obras, investimentos, funcionários, água, eletricidade, entre outras.
         A principal vantagem inerente à descentralização é que as autarquias, pelo fator de proximidade ao cidadão, estarão mais capacitadas para satisfazer as necessidades locais, sendo o tempo de resposta menor também. Além disto, conseguem ser mais eficientes, uma vez que conseguem ajustar a provisão dos bens e serviços às preferências e necessidades dos cidadãos. Em suma, a descentralização, a meu ver, pode permitir uma melhor afetação dos recursos económicos, promovendo ao mesmo tempo a participação e a democracia local dos cidadãos na concretização dos seus interesses. A própria competição entre governos locais promove, de certa forma, a eficiência.
Uma das grandes controvérsias em torno deste tema é o dinheiro que vai ser transferido do estado central para as autarquias. Como foi notícia há poucos meses, mais de um quarto dos municípios, 79 dos 278, colocaram-se total ou parcialmente fora das novas competências. Para que o processo de descentralização realmente funcione, é preciso que as câmaras tenham acesso aos respetivos meios e sejam responsáveis pela gestão. Não pode haver descentralização sem responsabilização. As autarquias têm de ter incentivos. Não basta apenas descentralizar tarefas; têm de ter um papel ativo na forma como a receita é gerada. Se apenas forem responsáveis pela gestão da despesa, terão todos os incentivos em aumentá-la e não em diminui-la. Também não é possível um município aceitar competências sem conhecer o financiamento atribuído a cada área, que foi precisamente o que aconteceu. Igualmente, é necessário que todo o processo seja gradual, dando ao poder local o tempo de adaptação necessário.
Com a descentralização, o facto de todo o poder deixar de estar todo confinado à capital pode permitir atenuar as desigualdades territoriais existentes no nosso país, melhorar a qualidade dos serviços locais, permitir a criação de novos postos de trabalho e promover a igualdade de oportunidades. A grande concentração de poder do estado em Lisboa é um verdadeiro entrave ao desenvolvimento económico do nosso país. Regra geral, países mais descentralizados são também mais desenvolvidos e mais equilibrados do ponto de vista das finanças públicas e é lamentável coexistirem cenários económicos tão diferentes em Portugal.
Ao conseguirmos ser mais eficientes e, como resultado, mais produtivos, podemos melhorar as condições salariais de alguns trabalhadores, uma vez que os salários no longo prazo são determinados pela produtividade e, assim, corrigir o panorama atual, caraterizado por um salário médio quase igual ao salário mínimo.

Pedro Torcato da Cruz Meira

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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