sábado, 5 de outubro de 2019

Desigualdade de género

A desigualdade de género salarial é, até aos dias de hoje, uma realidade que teima em persistir. Diversos estudos comprovam a sua existência em praticamente todos os países, quer em países ditos mais pobres quer em países que lideram em termos de desenvolvimento e riqueza, como por exemplo a Suécia. O nosso país não foge à regra, apresentando uma diferença de 11,2€ por hora, mesmo tendo as mulheres portuguesas, em média, uma escolarização mais elevada.
Teoricamente, a determinação salarial é feita com base na negociação entre empregador e empregado (sendo este muitas vezes representado como um coletivo pelos sindicatos), tendo em conta alguns fatores, como a taxa de desemprego, o quão difícil seria para o empregado encontrar outro emprego se saísse da firma e o quão custoso seria para o empregador contratar outro trabalhador. Ao olharmos para este processo podemos então questionarmo-nos como é que o género entra para afetar o salário.
A verdade é que a discriminação do empregador, mesmo sendo muitas vezes inconsciente, tem um peso muito forte na decisão. As mulheres, ao entrarem no mercado de trabalho, não são vistas simplesmente como um funcionário. O empregador tem em conta mais condicionantes do que com um homem – como, por exemplo, a probabilidade de esta querer ter filhos no futuro e ter direito a dispensa de maternidade. Além disso, há diversos estudos que indicam que as mulheres têm mais aversão ao risco, o que as leva a evitar negociar as condições salariais no momento da contratação por receio de serem recusadas e não conseguirem encontrar outro emprego.
Analisadas todas estas condicionantes, resta-nos então o problema de como as resolver. Ao longo dos anos, foi criada imensa legislação para tentar colocar um ponto final na questão, mas, no máximo, esta funcionou apenas como “virgulas” que foram atenuando mas nunca eliminando completamente o problema. A igualdade salarial está assegurada há 60 anos nos Tratados da União Europeia, está presente na nossa Constituição e até está assegurada no Código de Trabalho, mas a realidade é que até hoje as mulheres continuam a dar 58 dias de trabalho gratuito, se as compararmos com os homens.
O economista Gary Becker afirmou, em 1957, que a solução está na competitividade. A discriminação, quer de género, raça ou qualquer outro aspeto, implica custos: se um empregador decide empregar um homem a quem pagará mais do que a uma mulher para a mesma produtividade, ele está a aceitar perder dinheiro só para satisfazer os seus gostos. Ao aumentarmos a competitividade de um mercado, o empregador vai sentir necessidade de diminuir os custos para manter a concorrência e vai ser obrigado a abdicar da sua discriminação.
Esta teoria foi testada recentemente por uma economista da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, Priscila Ferreira, juntamente com dois colegas da Universidade de Exeter. Estes, decidiram olhar para o efeito da criação da “Firma no Minuto” na desigualdade salarial. Para percebermos esta experiência, definida pelos autores como uma “quasi-natural experiment”, o que a torna extremamente relevante para comprovar a teoria de Becker no “mundo real”, convém perceber primeiro os seus condicionantes.
O programa Firma no Minuto foi criado pelo governo português para diminuir muito significativamente a burocracia que travava o empreendedorismo, dificultando o processo de criação de novas empresas, fazendo com que Portugal passasse de 113º para 26º no ranking de “Ease at Doing Business” do World Bank. Com esta descomplicação burocrática, o que se sucedeu foi um elevado aumento do número de empresas, que fez crescer a competitividade dos mercados. Observaram-se várias consequências que comprovaram então a teoria: os salários em geral aumentaram, sendo estes aumentos maiores para as mulheres do que para os homens nos cargos de média e alta qualificação, reduzindo assim a desigualdade.
Torna-se assim óbvio que a solução não é tão direta como parece, mas que existe. A criação de sistemas de quotas e de salários máximos, apesar de poder ajudar, é ineficiente. É a responsabilidade do governo fomentar a competitividade, com políticas económicas que reduzam a burocracia, com a criação de veículos que incentivem o empreendedorismo e, idealmente, conseguindo encontrar formas de diminuir a taxa de desemprego, visto que esta tem um efeito muito negativo na competitividade do mercado. O que não podemos mesmo fazer como cidadãos é fechar os olhos a esta desigualdade. Se uma experiência tão simples como a redução da burocracia a nível municipal obteve resultados tão notórios, torna-se insustentável negar a existência do gender pay gap e urgente encontrar uma solução.

Ângela Monteiro

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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