sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Um País, diferentes realidades

Estamos em 2019 e como Jacinto Ferreira (1987) escrevia no seu livro Poder Local e Corpos Intermédios: “Também após o 25 de Abril, se tem falado exuberantemente em descentralização, mas tal como em 1911, é tudo palavreado, inteiramente inoperante”.
Em época de eleições legislativas é habitual ouvir os decisores políticos mencionarem termos como a regionalização, o combate à desertificação, a interioridade, entre outros, como bandeira política. Desengane-se quem ainda acredita que este é um tema sério, exequível e que não pretende mais do que aumentar as nomeações de tachos e cargos políticos através da promoção de iniciativas que em nada fomentam o desenvolvimento local.
Na mais recente legislatura foi possível assistir à aplicação de uma Lei que prevê a transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais, defendida por muitos como um passo para a descentralização. Discordo e defendo que a descentralização não pode ser a entrega ou a concessão de poder a entidades públicas por parte do poder central.
Descentralizar deverá ser o reconhecimento dos atributos locais. O Estado, ao invés de implementar o regionalismo, esta função cabe ao poder local. Deve ter a função de estimular e facilitar o desenvolvimento local, na promoção de iniciativas e igualdade de oportunidades. E é aqui que o Estado falha.
Muito se ouve falar do Estado Social, desse sistema político onde se procura dar a todos os cidadãos, do litoral ao interior, um digno padrão de nível de vida. O Estado falha na função fundamental de assegurar a igualdade de oportunidades aos cidadãos, pelo menos aos do interior, que mesmo depois de verem identificadas 164 medidas de apoio ao desenvolvimento do território no “Programa Nacional para a Coesão Territorial”, continuam a assistir a que o Estado, o poder central, olhe para a realidade do país como se de uma só se tratasse.
A exemplo:
·        A região de Bragança ficou uma vez mais excluída do Plano Nacional de Investimentos 2030;
·        Ao concelho mais desertificado do interior são impostos exatamente os mesmo requisitos para abertura de uma turma de secundário que ao concelho de Lisboa. Claro está que, dada a desertificação, existem muitos concelhos sem a possibilidade de oferecerem aos seus cidadãos este serviço. A solução parte por não estudar ou por ter de abandonar a sua região em busca de um futuro igual ao de tantos outros;
·        Assistimos a que apenas uma parte do país usufrua de um passe social único, quando a outra parte do mesmo país possui apenas um único serviço de transportes.
Segundo o Boletim Informativo de Fundos da União Europeia, de 31 de dezembro de 2018, Portugal é o segundo país que mais beneficia dos Fundos Comunitários, fundos esses capazes de potencializar o crescimento e minimizar as assimetrias, fundos que se destinam às regiões menos desenvolvidas, às regiões de baixa densidade populacional, e que se vêm desviados para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Os fundos de coesão que poderiam ou deveriam ser destinados, por exemplo, à fixação de jovens agricultores e ao incremento do investimento privado, são investidos nas linhas ferroviárias das já referidas áreas metropolitanas. Enquanto que a região de Lisboa apresenta um PIB per capita comparável com os países mais ricos da Europa, o norte e centro do país apresentam um PIB per capita comparável aos países mais pobres.
Segundo dados da OCDE, Portugal é um dos países mais centralistas. Na União Europeia, apenas o Luxemburgo, a Irlanda e a Grécia são mais centralistas do que nós. Este indicador baseia-se na percentagem de despesa pública que cada país realiza a nível regional ou local.

Despesas públicas da administração local e regional em % do total (2015)

As políticas económicas e sociais aplicam-se de igual modo em todo o país. Apesar das diferenças crónicas das diversas regiões, quer ao nível de infraestruturas quer ao nível do custo de vida, o país continua a ser tratado como um só. Contudo, seria até injusto acusarmos apenas o Estado da situação em que as regiões do interior se encontram.
O desenvolvimento destas regiões implica, além de políticas novas, agentes políticos novos capazes de implementarem estratégias para a potencialização do crescimento económico. A melhoria no desenvolvimento económico do interior beneficiará o desenvolvimento do restante país.

João Pessoa Trigo

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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