sexta-feira, 11 de outubro de 2019

´Prize-linked Savings Accounts`, a criar excêntricos de um depósito para o outro

A taxa da poupança das famílias portuguesas tem vindo a atingir mínimos históricos, estando em queda pelo terceiro ano consecutivo. Em 2018, os portugueses poupavam apenas 4,6% do que ganhavam e o resto era gasto em consumo. Deve-se isto a uma compressão ou à estabilização do rendimento disponível das famílias que ao longo dos últimos anos tem vindo a ter como principal atrito do seu crescimento o aumento dos impostos diretos? Apenas no último trimestre se viu um aumento da taxa da poupança das famílias em resultado de um acréscimo do rendimento disponível das famílias superior ao da despesa em consumo final (determinado pelo crescimento de 1,9% das remunerações no 4º trimestre de 2018 e, adicionalmente, pelo acréscimo de 2,3% das prestações sociais recebidas) – ver gráfico 1.

Fonte: INE (2019)

É necessário constatar também que os agregados familiares que compõem o decil da população com maior rendimento detêm mais de um terço de toda a população portuguesa, enquanto que o decil correspondente à população mais pobre chega a ter taxa de poupança negativa (ver gráfico 2). Num momento em que se atravessa uma mudança de paradigma político a nível nacional e num ambiente de desaceleração económica devido aos mais diversos assuntos político-económicos a nível mundial (Brexit, relação comercial EUA – China cada vez mais frágil, crises políticas na América do Sul, etc.), são essenciais medidas que possam de alguma maneira interromper este declínio da taxa de poupança das famílias que se tem prolongado pelo último vinténio.


Fonte: IDEF 2005, 2010
Num momento em que se vai atravessando uma mudança de panorama político a nível nacional e num ambiente de desaceleração económica devido aos mais diversos assuntos político-económicos a nível mundial (Brexit, relação comercial EUA – China cada vez mais frágil, crises políticas na América do Sul, etc.), são essenciais medidas que possam de alguma maneira interromper este declínio da taxa de poupança das famílias que se tem prolongado pelo último vinténio. Tudo isto tem acontecido num ambiente de inflação baixa, de níveis bastante elevados na procura de crédito ao consumo e de taxas de juros nulas ou quase zero nos depósitos, o que acaba por desmotivar a procura destes por parte dos clientes e, consequentemente, a desmobilizá-los destes produtos bancários tradicionais. Como incentivá-los então?

Uma das mais recentes propostas para incentivar a poupança dos particulares foi discutida num dos episódios de um podcast norte-americano, Freakonomics (criado pelo psicólogo Stephen Dubner e pelo economista Steven Levitt) no episódio intitulado Is America ready for a “No-Lose Lottery?” – o nome desse instrumento financeiro é Prize-Linked Savings Account.
A Prize-Linked Savings Account (PLS), traduzindo à letra é conta poupança com prémio associado, “é um tipo de conta poupança que reúne alguns dos juros de todos os depositantes e que paga um prémio (como lotaria) a cada mês e que combina a emoção da lotaria com a segurança de uma conta poupança”, esclarece Stephen Dubner. Considerada como uma Non-Lose Lottery, uma vez que o depositante, que é automaticamente inserido na lotaria, não pode perder o depósito original que ele lá colocou, este tipo de lotaria poderia dar azo a que os portugueses, como povo que tipicamente deixa uma parte significativa do seu rendimento disponível para jogar (à semelhança do povo norte-americano), depositassem mais do seu rendimento disponível nos bancos que tivessem para aplicação contas poupança do tipo PLS.
Dada como exemplo a população americana por Dubner, um em cada cinco adultos acha que é através da lotaria a única e/ou a melhor oportunidade/possibilidade para conseguir ver o seu rendimento aumentar significativamente. Já para indivíduos com rendimento inferior a 25 000 dólares por ano, o rácio cresce para 40%.
Em Portugal, segundo um inquérito realizado pela Marktest, em 2017, 5,4 milhões de portugueses tinham apostado nos últimos 12 meses, ou seja 63,6% da população. Em 2018 os portugueses apostaram 16 milhões de euros nas várias ofertas que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa disponibilizava, o que equivale a quase 3€ por apostador por dia e a 6 mil milhões de euros por ano, o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto. As Raspadinhas foram responsáveis pela angariação de 1 594 milhões de euros, mais 7,2% que em 2017, enquanto que as apostas mútuas, que incluem o Euromilhões, M1lhão, Totoloto e Totobola, arrecadaram 908 milhões de euros, menos 6,9% que no ano anterior. A probabilidade para ganhar o Euromilhões é de 1 em 116 milhões. Apostar numa raspadinha como a “Mega Pé de Meia” e ganhar o maior prémio é de uma hipótese num milhão, e para ganhar também o maior prémio no “Reverse Rápido” é de 1 em 1000.
Todos estes jogos têm associada uma probabilidade muito residual para ganhar o primeiro prémio. Então, qual a razão para que o indivíduo procure tanto por lotarias quando sabe que a probabilidade é ínfima? Segundo Melissa Kearney, professora de Economia na Universidade de Maryland e convidada para um segundo episódio de Freakonomics sobre esta temática, as pessoas jogam porque com um dólar ou dois conseguem a possibilidade de terem o que nunca tiveram e mais do que isso, e com isto conclui que é impossível que numa conta poupança habitual um indivíduo possa encontrar ao final do mês, depois de um depósito de 1000 dólares, 100 000 dólares ou até mesmo 10 000 dólares, algo que através da PLS é possível, juntando o melhor dos dois mundos.
Para além dos EUA, noutros países (como na África do Sul) foi surgindo a ideia de implementar no mercado este tipo de aplicação financeira, no entanto, e tal como aconteceu em alguns estados norte-americanos, existiram sempre obstáculos politico-financeiros que não deixaram que a PLS fosse legalizada. Um dos maiores problemas legais que a PLS teve que suportar foi a rivalidade que poderia originar com as lotarias estatais, ou seja, o monopólio que o Estado detém sobre este tipo de lotaria poderia estar em risco com a disponibilidade das contas PLS no mercado. Contudo, como diz Dubner, uma conta PLS é aquilo que as contas poupanças aborrecidas não são: grandes placards (billboards) em néon onde dizem “Deposita aqui o teu dinheiro que no final do mês podes vir a ganhar em grande……e mesmo que não ganhes, bem, o dinheiro que tens na conta não deixou de ser teu”.
A verdade é que em Novembro de 2017 eram já 20 os estados que tinham legalizado as contas PLS, algo que começou em 2009 no estado de Michigan. Num momento em que a taxa de poupança das famílias portuguesas está a níveis mínimos históricos, as contas PLS já podiam e deviam de ser alvo de discussão no seio político nacional e comunitário.

Xavier Nogueira

Referências Bibliográficas
ALEXANDRE, Fernando, AGUIAR-CONRARIA, Luís, BAÇÃO, Pedro e PORTELA, Miguel (2017), Poupança e Financiamento da Economia Portuguesa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa
Outras Referencias
Dinheiro Vivo. (2019). Quantos portugueses apostam nos jogos da sorte?. [online] Available at: https://www.dinheirovivo.pt/outras/acredita-na-sorte-63-dos-portugueses-acreditam-e-apostam-nos-jogos-da-sorte/ [Accessed 10 Oct. 2019].
Ekonomista. (2019). Euromilhões: estatísticas para ser o próximo milionário. [online] Available at: https://www.e-konomista.pt/euromilhoes-estatisticas/ [Accessed 10 Oct. 2019].
Freakonomics. (2019). Is America Ready for a “No-Lose Lottery”? (Ep. 12) - Freakonomics. [online] Available at: http://freakonomics.com/podcast/freakonomics-radio-could-a-lottery-be-the-answer-to-americas-poor-savings-rate/ [Accessed 10 Oct. 2019].
Freakonomics. (2019). Is America Ready for a “No-Lose Lottery”? (Update) - Freakonomics. [online] Available at: http://freakonomics.com/podcast/say-no-no-lose-lottery-rebroadcast/ [Accessed 10 Oct. 2019].
Lusa, A. (2019). Poupança das famílias recupera no 4.º trimestre mas desce no conjunto de 2018 – Observador. [online] Observador.pt. Available at: https://observador.pt/2019/03/26/poupanca-das-familias-recupera-no-4-o-trimestre-mas-desce-no-conjunto-de-2018/ [Accessed 10 Oct. 2019].
Observador.pt. (2019). Portugueses gastaram, em média, 8,5 milhões em raspadinhas por dia em 2018 – Observador. [online] Available at: https://observador.pt/2019/07/10/portugueses-gastaram-em-media-85-milhoes-em-raspadinhas-por-dia-em-2018/ [Accessed 10 Oct. 2019].



[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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