domingo, 19 de outubro de 2014

Berlim para capital da Europa… Uma perspectiva Federalista

Quando a ideia de uma moeda única na Europa começou a ganhar contornos reais, muitos economistas reagiram com surpresa. Num antigo publicado em 1992 no “The economist ” Martin Feldstein, professor na Universidade de Harvard, previu a atual crise Europeia baseando-se na sua análise que uma moeda única, sem um governo único ou um orçamento único para a zona, estava condenada a falhar. 
Décadas depois, já com a zona euro a funcionar tecnicamente desde 1999, o primeiro teste à sua sustentabilidade surge na forma de uma crise financeira global, em 2007, que leva a Zona Euro à crise em que nos encontramos. 
Muitos foram os erros de formulação da UEM que a levaram à atual situação: o restrito mandato do BCE em manter a estabilidade de preços sem nenhuma referência a problemas como o emprego ou crescimento económico; os objetivos pouco realistas, como manter a inflação abaixo dos 2%, quando nenhuma economia Ocidental o conseguiu por um alargado período de tempo; e um défice público abaixo dos 3%, valor este lançado nos anos 80 pelo presidente Mitterand, em França, sem grande explicação. Mas estes erros são apenas parte do problema pois, como Krugman afirmava em 2012, “A crise da dívida pública Europeia de 2010 mostrou a necessidade de alguma forma de capacidade fiscal centralizada para lidar rapidamente com a instabilidade financeira de um estado-membro inerentemente contagiosa”. 
Isto leva-nos à questão: como teria ajudado uma maior federalização fiscal na Zona Euro a suavizar a crise? Promovendo uma maior coerência  política entre os Estados-Membros da zona Euro. Reduzindo os pontos de vista conflituosos tornados públicos entre instituições europeias e Estados-Membros. Aumentando a confiança dos mercados. Isso teria permitido também uma maior redistribuição, partilha de risco e política fiscal contra-cíclica federal, que poderiam atenuar o efeito da consolidação nesses Estados. Tal teria reduzido a margem para endividamento através de regras fiscais mais restritas e da redução da capacidade de os Estados-Membros o fazerem por grande parte das receitas e gastos públicos estarem centralizados no sistema federal. Por fim, teria também ajudado a fortalecer a banca e a ter criado esquemas/mecanismos de resolução para a banca a nível da Zona Euro. 
No entanto, opositores de uma federalização diriam que existem muitas diferenças, por exemplo, entre a Zona Euro e os Estado Unidos, onde a federalização teve bons resultados, pois os Estados Unidos são compostos por Estados mais homogéneos. Mas até que ponto o eram por altura da federalização? Como escreve o biógrafo de Hamilton, Ron Chernow, “É popular hoje para os Europeus olharem para a formação dos EUA e dizerem que era inevitável, único e ocorreu numa sociedade homogénea e coesa. Os factos da matéria são mais complexos. As treze colónias que compunham os primeiros estados eram dispares na sua composição e tinham visto a sua existência em relação a laços com Londres, mais do que tinham visto entre eles próprios. As cidades americanas estavam cheias de imigrantes de todas as culturas Europeias, falando uma multidão de línguas, com o Inglês e o Alemão sendo os mais dominantes. Grandes diferenças culturais existiam entre os estados, sendo provavelmente a maior as suas atitudes perante a escravidão.” Poderão dizer ainda que este não é o momento devido à situação delicada e que o processo para uma federalização fiscal deverá ser gradual. No entanto, foi precisamente numa situação de estados muito endividados, pela guerra, que se procedeu à federalização nos EUA e de uma forma rápida não gradual. 
De facto, o que a história nos mostra é que as uniões bem sucedidas foram resultado não de mudanças graduais em tempos prósperos mas de roturas em períodos de crise. Mas, com isto não podemos concluir que a federalização é a única alternativa. Várias propostas têm sido avançadas, entre elas as Eurobonds, no entanto, esta alternativa traria consequências, como a Alemanha perder o seu rating AAA, mas o pior de tudo poderia ser não se resolver nada e, mesmo, piorar a crise, pois o que levou a endividamentos tão grandes em primeiro lugar foi viver -se um “clima de Eurobonds”  na primeira década do euro, permitindo a países que na realidade não tinham condições para isso beneficiar de taxas de juro baixas. 
Uma alternativa a isto seria uma Eurobond, nas linhas de Delpla e Von Weizsäcken (2010). Isso iria trazer maior disciplina fiscal, iria criar um mercado grande e líquido de Eurobonds. Nesta solução, os estados-membros emitiriam Eurobonds garantidas pelo todo dos estados, no entanto apenas até 60 % do PIB. São as chamadas “blue bond”, expressão senior da “red bond”. Isto significaria um compromisso credível dos estados- membros em não socorrer a parte vermelha da dívida soberana dos estados, promovendo disciplina fiscal. 
  Outras alternativas têm vindo a surgir, como as “Basket-eurobonds”, onde cada país garantiria apenas a sua cota no cabaz. O problema das Eurobonds é que, no contento mais recente, a sua eficácia seria limitada, pois as taxas de juro têm recentemente atingido mínimos, verificando-se uma melhoria nesse aspeto. No entanto, isso deve- se em parte à baixa inflação e crescimento esperado para a Zona Euro, e isso só poderia ser contrariado com medidas fiscais centrais, apenas possíveis com uma federalização fiscal.
  Qualquer que seja a solução encontrada, a sua aplicação terá que passar pela Alemanha. No entanto, a opinião pública alemã não é favorável a uma maior integração, isto pois tem a ideia que  a Europa é um impedimento ao seu próprio sucesso. No entanto, a imagem da economia alemã não é tão boa como parece, pois desde 1999 a Alemanha teve um dos piores crescimentos do PIB e da produtividade da Zona Euro. O salários reais pouco cresceram, apesar da crise. Até em Espanha cresceram mais no período homólogo.
Para além disso a Alemanha tem tido uma das mais baixas taxas de investimento. Os alemães esquecem-se também que há pouco mais de uma década eles eram o problema da Europa e beneficiaram do dinamismo e crescimento de outros países europeus.
Outra ideia errada dos alemães é que a culpa da crise é do Euro por si próprio, esquecendo-se dos benefícios económicos e financeiros obtidos através do aumento do comércio, intermediação e integração, melhor estabilidade de preços e melhoria de eficácia e competitividade. Para além disso, a atual crise não tem características de uma crise monetária pois não se verifica uma sobrevalorização da moeda.
Os alemães são mesmo dos maiores beneficiários na manutenção da zona euro, pois dependem muito das exportações, e grande parte delas, aproximadamente 40%, para outros países membros. O fim do euro levaria a uma valorização da moeda alemã, prejudicando o seu setor exportador. Outra razão para a sua dependência do Euro é a sua posição credora. Sendo grande parte dela sobre países europeus, a queda do euro levaria a uma grande desvalorização desses ativos. Para finalizar, a Alemanha consegue defender os seus interesses fora da Europa da melhor forma pertencendo à zona euro. Como convencer então a Alemanha a decisivamente partir para mais união para salvar o euro?
Hamilton, para convencer o estado da Virgínia e outros do Sul a avançarem para a federação, “compensou-os” com a localização da capital da federação numa cidade entre Virgínia e Maryland. Talvez também funcione com a Alemanha...

Diogo Rocha

Referências:
Krugman, International Economics Theory and Policy, 9th edition, 2012
Jonathan Eyal, When Democratic and Fiscal Deficits Combine, 2012
Werner Weidenfeld, Future Constellations of Europe: Strategic Reflections, 2012
Marcel Fratzscher, The costs for Germany if the Eurozone collapses, Berlin Oeconomicus, 2013
Peter Bofinger, Can the ECB do more for Europe’s unemployed? With Basket-Eurobonds the ECB could act like the FED, Progressive Economy, 2013

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]  

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