terça-feira, 28 de outubro de 2014

Prestações Sociais e Pobreza em Portugal

Recentemente foram publicados dois relatórios sobre Portugal, um da OCDE sobre o desempenho da economia nacional, e um outro da Unicef sobre o impacto que a crise está a ter nas crianças. Sendo dois relatórios distintos, tocam-se e cruzam-se num ponto essencial: a importância das prestações sociais.
A OCDE diz que Portugal é um dos países da Organização onde as despesas sociais menos corrigem as situações de pobreza, não porque o Estado não gasta o dinheiro mas porque, aparentemente, gasta-o mal. O mexicano Angel Gurría (Secretário Geral da OCDE) identificou 13 prestações sociais em Portugal onde recomendou que se colocasse um tecto à acumulação desses benefícios. O objectivo seria incentivar os beneficiários a regressar ao mercado de trabalho e evitar situações de fraude ou de abuso de benefícios aos quais na realidade não tinham direito, para uma repartição de rendimentos justa, de forma a reduzir as assimetrias sociais e ajudar aqueles que mais precisam. 
Infelizmente em Portugal, muitas pessoas/famílias preferem viver daquilo que o Estado lhes garante do que procurar um emprego, e esse “parasitismo social” tem efeitos nefastos para a Segurança Social, que, por sua vez, já de saúde instável, continua a redistribuir mal as prestações, sendo muitas vezes quem mais precisa o mais prejudicado.
A ideia não é nova. O Governo, no Orçamento do Estado, também veio propor uma medida semelhante, em que a soma das prestações sociais teria um limite. E esse limite seria o salário médio dos trabalhadores não qualificados.
Até aqui, OCDE e Governo estão de acordo. Onde começam a divergir é sobre o que fazer com o dinheiro que se poupa ao colocar um tecto aos benefícios sociais. E o Governo não sai muito bem na fotografia. Enquanto a OCDE sugere que a poupança seja utilizada para subir o valor do rendimento social de inserção (RSI), de forma a reduzir as assimetrias de rendimentos em Portugal (de notar que Portugal se assume como o sexto país da União Europeia onde há mais desigualdade entre ricos e pobres), o Governo prefere canalizar a poupança (100 milhões) para o Orçamento. Ou seja, enquanto a OCDE propõe uma redistribuição mais justa das prestações sociais, o Governo pretende obter uma poupança orçamental. Não existe nenhum mal nos nossos governantes quererem poupar (talvez seja melhor ideia do que investir em submarinos e infra-estruturas de defesa nacional), mas pelo menos aumentem as condições de vida daqueles que pior vivem no nosso país.
E é neste ponto que o relatório da OCDE se cruza com o da Unicef, que faz um retrato dramático sobre a situação das crianças que estão a ser vítimas da crise. Os números mostram que em Portugal havia 560 mil crianças em risco de pobreza e exclusão social. Para a Unicef, o desemprego (dos pais das crianças) é meio caminho andado para se chegar a uma situação de pobreza. O resto do caminho faz-se porque o Estado tem vindo a cortar de uma forma significativa o apoio às famílias. Segundo a organização, por exemplo, 546.354 crianças perderam o direito ao abono de família entre 2009 e 2012.
Na comparação com o exterior, Portugal também não sai bem na fotografia. Em 2009, o Estado português investiu 1,7% do PIB em despesas com prestações familiares, contra os 2,6% da média da OCDE.
Naturalmente que em tempos de crise, mais do que nunca, o Estado deve gerir bem o dinheiro público e evitar que as prestações sociais funcionem como forma de desincentivar o regresso ao mercado de trabalho. Mas também é por estarmos em tempos de crise que deve ser exigido ao Estado bom senso na altura de cortar os benefícios sociais aos que menos têm. Não podemos chegar a uma situação em que consideremos normal repetidos depoimentos como os de Fernando, de 14 anos, que aparece no relatório da Unicef a dizer: "Quando não há comida, os meus pais fazem isto: deixam de comer para nos dar à gente." Penso que não há necessidade de termos tão pouca gente com tanto e tanta gente com pouco. Não há necessidade de haver fome, num país com valores solidários e hospitaleiros como o nosso, muito menos de crianças, que não têm a menor culpa da crise onde estamos mergulhados… É tempo dos nossos governantes irem á realidade de quem vive mal, de quem tem um salário mal pago e filhos para alimentar, despesas para pagar, uma vida trabalhadora mas que por vezes não chega para satisfazer as necessidades de todos os elementos do seu agregado familiar. É tempo de retirar àqueles que recebem sem precisarem, “parasitas” sociais que, através de benefícios concedidos pelo Estado, vêem o seu rendimento aumentar sem nada fazer por isso, muitas vezes sem precisarem de um cêntimo dessas contribuições… E mais uma vez é o pobre que se sujeita…
Estima-se que em Portugal 1 em cada 4 pessoas viva abaixo ou no limiar da pobreza (cerca de 25% da população). Há hoje em dia relatos de fome, de crianças a idosos, que muitas vezes não têm certezas do amanhã, enquanto pequenos grupos continuam a viver à custa dos outros, à custa dos bolsos dos contribuintes só porque, muitas vezes, não lhes apetece trabalhar. Será que os nossos governantes andam de olhos vendados? É dificil ver futuro numa sociedade em que os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres…

Afonso Pereira

Referencias

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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