quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Quem paga os manuais “gratuitos”?

Para selar o acordo de governação na Câmara Municipal de Lisboa e ter maioria absoluta, o presidente eleito da capital atribuiu o pelouro da educação ao vereador eleito pelo BE, que se apressou a apresentar a sua proposta de campanha: manuais escolares gratuitos para todos os alunos do ensino obrigatório (25000). Custo: 5 milhões de Euros por ano.
Na minha opinião, essas medidas de oferta dos manuais escolares por parte dos dirigentes políticos mostra a pobreza dos nossos governantes e, uma vez que ela foi amplamente aplaudida pela maioria dos agentes económicos e sociais, revela uma enorme falta de sentido crítico dos mesmos.
Até há muito pouco tempo, o encargo dos manuais recaia exclusivamente sobre os encarregados de educação, que chegavam ao final do mês de agosto e suportavam o “imposto do manual”, lobby das editoras. Os mais necessitados tinham os livros oferecidos, outros tinham alguns livros oferecidos, outros ainda tinham de adquiri-los todos. Vigorava o princípio do utilizador pagador. Fazia algum sentido. Já nessa altura o Estado, através dos seus decisores, falhou. Promoveu um dos negócios mais lucrativos, a edição de Manuais Escolares, e incentivou o crescimento da indústria da celulose, que necessitou de obter cada vez mais matéria-prima.
Cresci num país mais rico do que Portugal. Nunca comprei um manual escolar até ao décimo ano porque a escola mos emprestava, e mesmo quando os meus pais tiveram que os comprar, a própria escola organizava uma feira de trocas. Cheguei a reutilizar livros com seis anos de uso, mas que se encontravam em boas condições. Desenvolvi competências diferentes daqueles que vieram a seguir a mim, e dos que me antecederam. Respeitava os livros porque tinha de os estimar e de os poupar. Era uma vergonha se os meus pais tivessem de pagar algum livro estragado… só porque não tinha tido cuidado.
Hoje, o estado, que começou por oferecer os manuais do primeiro ano em 2016, aumentou as “ofertas” para todo o primeiro ciclo já em 2017. Nessas idades, porque toda gente o permite (e até o encoraja), os pequenos alunos escrevem nos livros. Logo não são reutilizáveis. Não entendo porque é que os meninos até à quarta classe não podem escrever num caderno ao lado!!! Provavelmente, a curto prazo, a oferta vai abarcar o segundo e o terceiro ciclos. Se tudo correr bem, como sinal de progresso, depois do 9º ano, o ensino tendencialmente gratuito, como está plasmado na constituição, passará das intenções aos atos quando forem oferecidos os manuais aos alunos do secundário.
Um aluno tem aproximadamente 170 dias de aulas durante o ano letivo. Gastará entre 2 a 4 folhas de papel por dia a partir do quinto ano. Logo, o consumo de papel poderá variar entre 350 e 700 folhas por ano para os alunos do segundo/terceiro ciclo e secundário e cerca de metade no primeiro ciclo. Isso equivale a de 2 a 4 cadernos no primeiro ciclo e de 4 a 8 nos restantes (sem ser poupado). Teria um custo inferior a €10 euros. Com manuais digitais, poupávamos milhões de toneladas de papel por ano. As mochilas seriam mais leves e os bolsos ficariam mais cheios.
Assim, eu vou continuar a pagar manuais para os filhos dos outros (para estes, depois de crescidos, irem tratar os velhotes dos países mais ricos à custa da educação que todos nós ajudamos a pagar). Vou continuar a alimentar as indústrias de celulose (e depois contribuir nas campanhas solidárias às populações devastadas pelos fogos nos eucaliptais). Vou continuar a deixar os lobbies das editoras levar as exorbitâncias pelos manuais, pelos cadernos de atividades, pelas fichas de apoio, pelos livros de preparação para testes, pelos acessos digitais aos conteúdos multimédias, com a complacência e até benevolência dos professores, dos diretores de escolas e daqueles que mandam na educação deste país.
Para isso, vou deixar de ter melhores transportes, ou equipamentos públicos, ou apoios para os meus pais idosos, ou dinheiro para pagar aos jovens que saem da universidade para tratar de todos e também de mim, ou dinheiro para dar aos bombeiros para combater os incêndios, e aos ministros para comprar meios de combate…
Mais uma vez, vamos todos aplaudir a “gratuitidade” dos manuais escolares.

José Jacinto da Costa Correia

 [artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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