quarta-feira, 15 de junho de 2011

Flexibilidade laboral na Autoeuropa

Os problemas do mercado de trabalho português são de natureza estrutural e cíclica. Este, apesar das recentes alterações legislativas, continua a apresentar uma forte rigidez comparativamente a outros países europeus. A flexibilidade no mercado de trabalho tem sido, então, um tema constantemente presente nas discussões económicas e ganhou ênfase com a eclosão da presente crise económica e financeira.
Neste cenário e com o agravamento do problema do desemprego, um factor preocupante é que, segundo a evidência empírica, as grandes empresas portuguesas para reduzirem o seu nível de emprego recorrem, nomeadamente, à redução das contratações. Enquanto a maioria das economias da OCDE tentam manter o nível do emprego, nomeadamente, através das reduções de horas e partilha de trabalho, outras optam por reduzir os custos salariais.
É neste panorama que entra a Autoeuropa, que contrariamente à maioria das empresas portuguesas, apostou numa maior flexibilidade laboral, que se baseia na utilização de um banco de horas (existe um pagamento garantido para uma base de 208 dias de trabalho, os dias não trabalhados - down days - vão para o banco de horas - medida introduzida em 2003), conseguindo, assim, ultrapassar a crise.
O sector automóvel foi um dos mais afectados pela crise, o que na Autoeuropa resultou numa redução acentuada do volume de produção de 94.100 unidades em 2008, para 86.008 (43% da capacidade instalada em Palmela, que é de 185 mil unidades) em 2009.
A Autoeuropa viu-se num aperto e na necessidade de tomar uma decisão económica relativamente à redução dos custos. No sentido de fazer face à diminuição da produção e consequentes paragens na produção, resultantes da crise e ainda devido aos desafios no lançamento de um novo modelo (Scirocco), a empresa negociou com a Comissão de Trabalhadores um acordo laboral para vigorar entre 2008 e 2010 que veio reforçar a flexibilidade laboral. Este aumento da flexibilidade permitiu-lhe adequar a produção às oscilações dos mercados e sobreviver a um período em que se fizeram sentir “ameaças” de lay-offs e despedimentos (aquando da rejeição do pré-acordo laboral em 2009, relativo ao período de 2010 a 2012) e assistiu-se a uma forte polémica em torno da possível deslocalização da Autoeuropa.
Em 2010, a Autoeuropa registou os seus melhores resultados dos últimos sete anos. Houve uma retoma da produção, verificando-se um aumento de 18% para 101.284 unidades e um crescimento de 267% no volume de negócios, sobretudo devido à introdução do novo Sharan. Assinou-se um novo acordo laboral, a vigorar entre 2010 e 2012, que veio, nomeadamente, aumentar os salários dos trabalhadores em 3,9% e reforçar os benefícios sociais, e manter o compromisso para os dias de não produção (down days – principal instrumento utilizado para dar resposta às oscilações nos volumes de produção).
Agora, em 2011, espera-se um volume de produção superior a 130.000 unidades e já se procedeu à contratação de algumas centenas de trabalhadores temporários. Em Março, a Autoeuropa distribuiu entre €2,288 e €2,574 milhões em prémios de objectivos a todos os trabalhadores que cumpriram os critérios estabelecidos no acordo laboral de 2008-2010.
É este sistema “híbrido” vigente na Autoeuropa que lhe permitiu reagir de forma eficaz às flutuações de mercado sem comprometer a sua competitividade, sendo a principal fonte de garantia da sua estabilidade. Segundo o Sr. António de Melo Pires, Director-Geral da Volkswagen Autoeuropa é preciso “cada vez mais, dar continuidade e mesmo reforçar os mecanismos de flexibilidade que têm sido essenciais, nos últimos anos, para dar a esta fábrica um futuro sustentável”.
Tendo em conta todos os factos apresentados, penso que o sistema da Autoeuropa, embora já aplicado a diversas empresas, é exemplo de que uma maior flexibilidade laboral pode ser uma das respostas tanto para o desemprego como para problemas crónicos do mercado de trabalho português. São estes, a baixa produtividade e o elevado número de faltas dos trabalhadores.

Volkswagen Autoeuropa: é uma das fábricas de produção automóvel do Grupo Volkswagen inserida na região de Palmela, e conta com cerca de 3000 colaboradores. Iniciou a sua produção efectiva em 1995 e representa o maior investimento estrangeiro até hoje feito em Portugal.Para além de constituir o motor de desenvolvimento de Setúbal, é também um exemplo de manutenção e captação de Investimento Directo Estrangeiro, tendo contribuído para a “dinamização da criação de valor e reforço da inovação tecnológica” (Quesado, 2 Dezembro 2010).

Inês Ferreira Braga

Referências:
Diversas notícias relativas à Autoeuropa. (2007 - 2011).
Banco de Portugal. (2010). RELATÓRIO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO - RELATÓRIO E CONTAS 2010.
Ingelheim, J. v. (20 Março 2009). Os acordos laborais da Autoeuropa no enquadramento competitivo do grupo Volkswagen. Conferência NEXT.
Jornal autoeuropa. (Novembro/Dezembro 2010). Jornal autoeuropa.
OECD. (2010). OECD Employment Outlook 2010: Moving beyond the Jobs Crisis.
Portugal, P. (2010). Como transformar um mercado de trabalho estagnado e esclerosado num mercado dinâmico e vibrante.
Quesado, F. J. (02/12 de 2010).
Volkswagen Autoeuropa. (4 de Novembro de 2010).
ACORDO LABORAL APROVADO PELOS COLABORADORES DA VOLKSWAGEN AUTOEUROPA .
Volkswagen Autoeuropa. (8 de Fevereiro de 2011). O CASO VOLKSWAGEN AUTOEUROPA.

[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. “Economia Portuguesa e Européia”, do Curso de Economia (1º ciclo) da EEC/UMinho]

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