Nas reuniões de primavera que o Fundo Monetário Internacional
(FMI) promoveu há duas semanas em Washington, o ministro de Estado e das
Finanças, Vítor Gaspar, deixou uma mensagem de esperança a quem o quis ouvir
sobre os progressos de Portugal que, segundo Vítor Gaspar, vai no bom caminho
em termos de crescimento económico e criação de emprego. O ministro português
assegurou: “Temos conseguido resultados e, continuando neste caminho, seremos
capazes de ter bom sucesso no sentido de criar os fundamentos para o
crescimento sustentado, competitividade da economia portuguesa e criação de
emprego”. Contudo, não estou certa de que as medidas tomadas anteriormente e as
medidas propostas pelo Governo posteriormente a estas declarações de Vítor
Gaspar, sejam as mais adequadas, numa perspetiva de longo prazo, no sentido de
obter o tão desejado crescimento económico.
Uma semana depois do ministro das Finanças ter declarado que
Portugal estava no bom caminho para o crescimento económico, no Programa do
Governo, o Executivo liderado por Passos Coelho revelou que, no âmbito da
redução de custos, vai incentivar "a mobilidade dos trabalhadores entre os
vários organismos, e entre estes e o sector privado, criando um programa de
rescisões por mútuo acordo". A minha questão é se esta será a solução
ideal para o grande problema na Função Pública, nomeadamente, a inexistência de
uma missão clara nas instituições públicas - a implementação de objetivos (e
das respetivas consequências quando estes não são alcançados) – que leva à
desmotivação dos trabalhadores, razão pela qual a Função Pública é pouco
produtiva, os serviços públicos são pouco eficientes, os trabalhadores fazem
greves “quando lhes dá jeito” - pois as consequências são expressas apenas em
pequenos cortes salariais, e não há risco de perda do posto de trabalho se o
serviço que representam apresentar resultados negativos -, etc., o que resulta
em maus desempenhos das organizações públicas.
Como é óbvio, este problema não vai ser resolvido com diminuição
de cargos e do número de trabalhadores da Função Pública, pois só irá
sobrecarregar os trabalhadores que continuarem a exercer as suas funções e, uma
vez que as horas “extraordinárias” passaram a ser pagas pela metade (25% de acréscimo
pela primeira hora extra e 37,5% pelas restantes), o grau de desmotivação dos
trabalhadores vai aumentar. Muito menos o objetivo da redução de custos será
alcançado, pois as rescisões serão “amigáveis”, podendo a indemnização chegar
ao limite máximo de 77600 euros por
trabalhador e, no caso de estes trabalhadores poderem ter acesso ao subsídio de
desemprego (ponto ainda não acordado com os sindicatos), a Segurança Social
terá uma despesa mensal com cada trabalhador a partir do momento em que for feita
a rescisão.
No entanto, a estratégia do Governo, que
consistiu em conjugar as rescisões “amigáveis” com o congelamento das reformas
antecipadas (que impede que os trabalhadores utilizem estas rescisões por mútuo
acordo para compensar a perda resultante do pedido antecipado de reforma) e com
a diminuição da remuneração das horas extraordinárias (que faz com que os
trabalhadores que ficarão sobrecarregados recebam menos pelo tempo extra que
estiverem a exercer o serviço), foi de facto bem pensada, mas não resolverá os
problemas centrais do sector público.
Portugal não necessitava de fazer despedimentos, ou melhor,
rescisões “amigáveis” - o que para o Sr. Primeiro-ministro é diferente. Bastava
apenas que se preocupasse com os seus trabalhadores, com os seus recursos
humanos, que lhes desse a devida atenção para mantê-los constantemente
motivados, tanto para atingir os objetivos do organismo que representam, como
para fazer crescer o país, e lhes proporcionasse o acesso a formação, para que
possam evoluir e executar sempre da melhor forma o seu trabalho, e, assim sim,
se aumentaria a produtividade do sector público e, consequentemente, se
eliminariam as ineficiências e combatiam os défices, o que permitiria reduzir
os custos.
Sendo certo que o investimento em capital humano é uma das medidas
que precisa ser adotada numa política de promoção do crescimento, Portugal está
a falhar gravemente neste aspeto. As conclusões do relatório «Tempo letivo
recomendado no ensino obrigatório europeu» referem que os alunos portugueses
são dos que têm mais carga letiva entre os países da União Europeia, mas não
têm os melhores resultados escolares, ou seja, a formação por si só é pouco
produtiva, é pouco eficiente. Com as reduções no apoio aos estudantes do ensino
superior efetuadas pelo Governo, o panorama ao nível da formação só se complica,
e só com trabalhadores qualificados conseguimos ser competitivos. Mas a
formação não é suficiente para que um trabalhador seja produtivo. É necessário
também que ele esteja motivado, e o funcionário público caracteriza-se por ser
um trabalhador muito pouco motivado, por não ter objetivos traçados nem
estratégia definida, e as medidas tomadas/propostas recentemente só vêm agravar
esse sentimento de desmotivação. Em suma, e numa perspetiva de longo prazo, não
seria muito mais eficaz utilizar os recursos disponíveis e orientá-los da
melhor forma, para que se tornasse o sector público, de uma vez por todas,
produtivo, e assim se diminuíssem os gastos desnecessários e os custos das
ineficiências, em vez de diminuir os recursos e manter tudo como está?
Mas não só o investimento em capital humano importa para se atingir
o crescimento económico. Também é necessário investir em infraestruturas
públicas, aspeto que Portugal praticamente colocou de lado aquando da chegada
da Troika. É necessária também a promoção da eficiência dos mercados, com
políticas de promoção de concorrência e fornecimento de bens públicos e,
neste aspeto, temos assistido não a um aumentar da concorrência em sectores
monopolizados, mas sim a uma passagem dos monopólios públicos a privados.
É necessária a promoção de atividades geradoras de externalidades
positivas, como o desenvolvimento de produtos, desenvolvimento de novas
tecnologias e promoção da investigação aplicada; e a promoção da poupança
nacional, através de um défice orçamental público, pois os aumentos
nos níveis de poupança são necessários para financiar todos
os investimentos anteriormente referidos. No entanto, na situação
atual do país, os investimentos por parte das empresas têm de ser feitos
recorrendo ao crédito, e aqui reside outro entrave para o crescimento económico
de Portugal, pois a banca não tem condições para conceder empréstimos, o que
inviabiliza o investimento das empresas, tanto na formação dos seus trabalhadores
(fator essencial para a competitividade), como na inovação (fator essencial
para o crescimento da empresa), ou matérias-primas e equipamentos, podendo
levar as empresas a não satisfazerem as necessidades do mercado nacional e
internacional, pois se não poderem pagar aos seus fornecedores, não obtêm a
matéria-prima, não satisfazem as necessidades dos clientes, perdem poder de
mercado, perdem receitas, são obrigadas a reduzir custos e a despedir
trabalhadores, contribuindo para o agravamento da taxa de desemprego.
Como podemos ver, nem tudo está a correr mal por culpa do Governo,
mas nem tudo está a correr bem graças ao Governo, pois há problemas essenciais
que não estão a ser tomados em conta, principalmente no que diz respeito ao
sector público e aos seus trabalhadores, e ao ensino e formação dos portugueses.
Podemos estar no bom caminho para o crescimento económico, mas só agora o
começámos a trilhar, e ainda temos muitos quilómetros a percorrer.
Andreia Cunha
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