domingo, 6 de maio de 2012

O Orçamento do Estado para 2012: diagnóstico de um orçamento cego, surdo e mudo

A Outubro de 2011, aquando da proposta do Orçamento de Estado para 2012 (OE/2012), já se especulava que o ano de 2012 viesse acompanhado de uma recessão. Todavia, nenhuma previsão apontava a contracção do PIB em 3,4%[1]. À inegável degradação da conjuntura económica, acresce a emergência de operações omissas nas contas públicas (designadamente a transferência dos fundos de pensões do sector bancário e a regularização de pagamentos em atraso do SNS), evidenciando o desfasamento entre as previsões iniciais do orçamento e a realidade de uma economia anémica. É neste enquadramento que surge a primeira proposta de alteração ao Orçamento de Estado (OER/2012); porém, nem depois de uma rectificação o diagnóstico se altera: o OE/2012 continua cego, surdo e mudo.
Primeiramente, não obstante a revisão das previsões para o agravamento do panorama económico, a meta para o défice orçamental do OER/2012 permanece inalterada em 4,5% do PIB, em consonância com o definido no PAEF; trata-se de um orçamento míope face ao desenvolvimento provável da receita fiscal, das contribuições sociais e das prestações sociais com base nas projecções macroeconómicas mais recentes.
Ao nível das receitas, o OER/2012 espera um aumento das receitas da tributação indirecta em 7,4% face ao ano transato (9% no OE/2012), que se contrapõe a uma contracção do Consumo Privado em 5,8% (queda revista em alta em 1 p.p.) - bastante optimistas comparada com a evolução projectada pelo Banco de Portugal (-7,3% do PIB)[2]. Do lado da despesa, a previsão para as prestações sociais (nomeadamente subsídios de desemprego) foi revista em alta em 0,7 p.p., todavia continua insuficiente para acomodar os efeitos do aumento esperado da taxa de desemprego (revista de 13,4% para 14,5%) - que actualmente se situa nos 15%[3], com tendência estável de crescimento -, bem como o ritmo de destruição de emprego, que se situa em 2,5% (em oposição aos 3,6% do Banco de Portugal).
Em segundo lugar, se no orçamento preliminar se previa que o esforço de consolidação orçamental fosse repartido numa proporção de 1/3 para o aumento da receita e de 2/3 para a diminuição da despesa[4], no OER/2012 assiste-se a uma clara inversão de estrutura orçamental, sendo que o aumento da receita representa mais de 2/3 e a diminuição da despesa menos de 1/3[5]. Assim, é manifesto que o OE permanece surdo face às constantes advertências do FMI e da Comissão Europeia no sentido de emagrecer as despesas públicas. Em adição, o aumento bastante expressivo da tributação face ao ano anterior (0,8 p.p. do PIB[6]) acarreta um risco acrescido para a execução orçamental.
Em terceiro lugar, no OER/2012 espera-se reduzir o défice em mais de 1 p.p. do PIB através de “Outras Receitas Correntes” e “Outras Receitas de Capital” - rubricas não discriminadas, que ganharam peso face ao orçamento original (0,3 p.p. no caso das Outras Receitas Correntes). Não excluindo a possibilidade de esta mudez ser deliberada face à incerteza inusitada das circunstâncias, trata-se de uma conduta que certamente não é imune de suspeita.
Finalmente, o OE/2012 tem implícita uma estratégia de consolidação fiscal intempestiva à luz do ambiente ideológico que emerge actualmente na Europa: o reconhecimento crescente de que as políticas de austeridade podem ser contraproducentes, sendo gradualmente preteridas em favor de políticas de crescimento.
Aliás, o OE/2012 assenta não só num aumento asfixiante da carga fiscal (equivalente a 33,8% do PIB no OER/2012[7] - o mais alto de que há registo[8]), como numa quebra considerável do investimento (-10,2% do PIB[9]) - e tudo isto num cenário em que a recessão se propaga. A dualidade austeridade-crescimento como estratégias puras são igualmente questionáveis, no entanto, é razoável inferir que em prol da recuperação da economia portuguesa, a tónica deverá ser colocada no regresso às políticas de crescimento, sem descuidar a necessidade de reformas estruturais e de consolidação fiscal.

Pedro Armada


[1] Projecções para a Economia Portuguesa 2012-2013 (Banco de Portugal)
[2] Boletim Económico – Primavera 2012 (Banco de Portugal)
[3] INE
[4] Análise à proposta do Orçamento do Estado para 2012 (UTAO)
[5] Análise da 1.ª alteração ao Orçamento do Estado para 2012 (UTAO)
[6] Cálculos da UTAO
[7] Cálculos da UTAO (medido através do agregado da receita fiscal, contribuições sociais e impostos de capital).
[8] INE
[9] Projecções macroeconómicas segundo o OER/2012

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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