domingo, 6 de maio de 2012

Será a Alemanha o ´bad boy` europeu por se recusar a diminuir o seu ´superavit` da conta corrente em nome da União?

Portugal trata-se de uma nação que historicamente passou de uma superpotência mundial a um país constantemente em crise em virtude da globalização, em apenas alguns séculos. Numa altura assolada por dificuldades financeiras, em que nos tornamos reféns do programa de ajuda internacional, o populismo e nacionalismo exacerbado procuram inimigos em comum, alguém que deva ser responsabilizado. O alvo mais fácil de atacar é o órgão de poder, o Governo. Porém, em virtude do plano de resgate financeiro, quando o Governo perde autonomia e passa a ser comandado mais de acordo com os interesses da Europa dos 27, surge um novo monstro, uma cobra, com a Alemanha à cabeça.
A contextualização da relação entre países na União Europeia, predispunha-se a ser uma relação equalitária entre os países membros, com regras e objectivos em comum, homogeneizando os vários índices dos diferentes países, fazendo com que as mais-valias de uns fossem as mais-valias de todos. No entanto, esta União, fruto de realidades muito díspares, confere um maior poder a determinadas partes. A Alemanha destaca-se dos restantes por ser o motor económico da Europa. Este poder dilui-se nos meandros políticos através da capacidade de influenciar decisões e políticas (como os níveis das taxas de juro do BCE) que afectam directamente as suas congéneres. No entanto, o seu desempenho nomeadamente a nível da balança corrente, enquanto membro duma união (entre outras) comercial, tem vindo a apresentar-se como uma ameaça à estabilidade da UEM.
A actual directora do FMI etiquetou a performance dos alemães em termos competitivos nos últimos 10 anos como sendo brilhante. Desta forma, isto representa níveis surpreendentemente baixos do custo médio do trabalho por unidade de output, que têm vindo a decrescer, fruto de uma estagnação dos salários reais. Na verdade, podemos constatar que jaz aqui a principal causa da competitividade alemã. Ora, este modelo levanta um terrível problema da sustentabilidade da UEM, uma vez que aumenta claramente as disparidades entre a Alemanha e os restantes países. Outra das razões apontadas como estando na base da sua competitividade passa pela cultura da população, que aceita manter os salários estáveis em nome da competitividade externa, pelo que quaisquer desvios orçamentais por parte dos outros países não devem ser aceitáveis. Esta cultura da lei do mais forte, traduz-se como sendo muito contraproducente numa União Europeia a vários níveis. Produtividade alta, procura doméstica baixa, competitividade elevadíssima, o que indubitavelmente se irá traduzir em superavits comerciais notáveis.
Apenas 30 % dos alemães pensam que o seu país está melhor numa UEM, mas no entanto os seus governantes estão bem cientes das suas vantagens. A sua entrada para o euro faz parte de uma posição bem orientada para as exportações, uma vez que a desvalorização do euro é apenas possibilitada pela presença de economias mais fracas, como Portugal e a Grécia. Ainda que seja difícil tentar desenhar um cenário em que a Alemanha não pertença à UEM, Boris Schlossberg calculou uma estimativa em que concluía que quando o euro (sem a Alemanha) estivesse nos $1.41, o marco alemão iria-se situar nos $2. Como tal, é perceptível que a Alemanha ganha em fazer parte da UEM, na sequência da sua estratégia virada para as exportações. Se a tudo isto adicionarmos o facto de que as exportações alemãs para países europeus aumentaram significativamente após a entrada em vigor da moeda única, parece claro que a Alemanha deveria estar disposta a fazer alguns sacrifícios em nome da UEM.
Vários analistas constatam um dado muito curioso: se delimitarmos a Europa como os parceiros comerciais alemães de preferência, de forma a que estes continuem a ter superavits perto de 200 mil milhões por ano, é necessário que os seus parceiros acumulem défices de igual montante. Charles Dumas estabelece aqui um paradoxo existente de uma situação insustentável: embora esta situação superavitária seja benéfica para os cofres germânicos, como é que no longo prazo estes vão conseguir estabelecer relações com países sem poder de compra?
A União Europeia, e mais tarde com a introdução do euro, é constituída para anular as disparidades dos países, e fortalecer um núcleo duro a nível não só económico como político. Claro que a existência da UEM pode levantar situações de free riding, uma vez que os défices crónicos acabam por ser suportados por todos. No entanto, apesar das críticas mais fáceis à influência alemã no contexto europeu serem apontadas à inveja, a verdade é que elas depositam um fundo de verdade. A Alemanha faz portanto parte de uma UEM, e o seu anormal volume de exportações, que contribui para o seu extraordinário superavit da balança corrente está claramente dependente da capacidade de compra dos seus parceiros comerciais (em grande parte europeus). Como tal, os seus objectivos devem convergir com os da União.

Miguel Gomes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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