Portugal trata-se de uma nação
que historicamente passou de uma superpotência mundial a um país constantemente
em crise em virtude da globalização, em apenas alguns séculos. Numa altura
assolada por dificuldades financeiras, em que nos tornamos reféns do programa
de ajuda internacional, o populismo e nacionalismo exacerbado procuram inimigos
em comum, alguém que deva ser responsabilizado. O alvo mais fácil de atacar é o
órgão de poder, o Governo. Porém, em virtude do plano de resgate financeiro,
quando o Governo perde autonomia e passa a ser comandado mais de acordo com os
interesses da Europa dos 27, surge um novo monstro, uma cobra, com a Alemanha à
cabeça.
A contextualização da relação
entre países na União Europeia, predispunha-se a ser uma relação equalitária
entre os países membros, com regras e objectivos em comum, homogeneizando os vários
índices dos diferentes países, fazendo com que as mais-valias de uns fossem as
mais-valias de todos. No entanto, esta União, fruto de realidades muito
díspares, confere um maior poder a determinadas partes. A Alemanha destaca-se
dos restantes por ser o motor económico da Europa. Este poder dilui-se nos
meandros políticos através da capacidade de influenciar decisões e políticas
(como os níveis das taxas de juro do BCE) que afectam directamente as suas
congéneres. No entanto, o seu desempenho nomeadamente a nível da balança
corrente, enquanto membro duma união (entre outras) comercial, tem vindo a
apresentar-se como uma ameaça à estabilidade da UEM.
A actual directora do FMI
etiquetou a performance dos alemães
em termos competitivos nos últimos 10 anos como sendo brilhante. Desta forma,
isto representa níveis surpreendentemente baixos do custo médio do trabalho por
unidade de output, que têm vindo a
decrescer, fruto de uma estagnação dos salários reais. Na verdade, podemos
constatar que jaz aqui a principal causa da competitividade alemã. Ora, este
modelo levanta um terrível problema da sustentabilidade da UEM, uma vez que
aumenta claramente as disparidades entre a Alemanha e os restantes países.
Outra das razões apontadas como estando na base da sua competitividade passa
pela cultura da população, que aceita manter os salários estáveis em nome da
competitividade externa, pelo que quaisquer desvios orçamentais por parte dos
outros países não devem ser aceitáveis. Esta cultura da lei do mais forte,
traduz-se como sendo muito contraproducente numa União Europeia a vários
níveis. Produtividade alta, procura doméstica baixa, competitividade
elevadíssima, o que indubitavelmente se irá traduzir em superavits comerciais notáveis.
Apenas 30 % dos alemães pensam
que o seu país está melhor numa UEM, mas no entanto os seus governantes estão
bem cientes das suas vantagens. A sua entrada para o euro faz parte de uma
posição bem orientada para as exportações, uma vez que a desvalorização do euro
é apenas possibilitada pela presença de economias mais fracas, como Portugal e
a Grécia. Ainda que seja difícil tentar desenhar um cenário em que a Alemanha
não pertença à UEM, Boris Schlossberg calculou uma estimativa em que concluía
que quando o euro (sem a Alemanha) estivesse nos $1.41, o marco alemão iria-se situar
nos $2. Como tal, é perceptível que a Alemanha ganha em fazer parte da UEM, na
sequência da sua estratégia virada para as exportações. Se a tudo isto
adicionarmos o facto de que as exportações alemãs para países europeus
aumentaram significativamente após a entrada em vigor da moeda única, parece
claro que a Alemanha deveria estar disposta a fazer alguns sacrifícios em nome
da UEM.
Vários analistas constatam um dado
muito curioso: se delimitarmos a Europa como os parceiros comerciais alemães de
preferência, de forma a que estes continuem a ter superavits perto de 200 mil milhões por ano, é necessário que os
seus parceiros acumulem défices de igual montante. Charles Dumas estabelece
aqui um paradoxo existente de uma situação insustentável: embora esta situação
superavitária seja benéfica para os cofres germânicos, como é que no longo
prazo estes vão conseguir estabelecer relações com países sem poder de compra?
A União Europeia, e mais tarde com a
introdução do euro, é constituída para anular as disparidades dos países, e
fortalecer um núcleo duro a nível não só económico como político. Claro que a
existência da UEM pode levantar situações de free riding, uma vez que os défices crónicos acabam por ser
suportados por todos. No entanto, apesar das críticas mais fáceis à influência
alemã no contexto europeu serem apontadas à inveja, a verdade é que elas
depositam um fundo de verdade. A Alemanha faz portanto parte de uma UEM, e o
seu anormal volume de exportações, que contribui para o seu extraordinário superavit da balança corrente está
claramente dependente da capacidade de compra dos seus parceiros comerciais (em
grande parte europeus). Como tal, os seus objectivos devem convergir com os da
União.
Miguel Gomes
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