quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A reforma da educação

O fim dos chumbos no ensino básico é uma possível medida do programa do Governo, de espetro social e com (apenas e só) objetivo político e económico. Muito se tem discutido e muito se tem escrito acerca deste tema: o governo diz que prevê “criar um plano de não retenção no ensino básico”, mas levará isto a passagens administrativas? Os professores protestaram esta medida e mostraram-se indignados, já a Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap) apoia a medida se esta não levar às passagens administrativas, o que no fundo iguala a opinião de professores e pais, estando a tónica, por parte dos docentes, no receio de que a pressão para que os alunos transitem aumente.
Em 1970, um em cada quatro portugueses não sabia ler. Desenvolveram-se medidas que levaram a uma diminuição drástica da taxa de analfabetismo, contudo, em Portugal, continua a existir quase meio milhão de pessoas analfabetas, o que nos dá um lugar no pódio a nível europeu. Se as passagens administrativas se tornarem realidade, então, estaremos a traçar um caminho contrário ao que se tinha vindo a traçar, sobretudo desde 1974. Onde nos levará este caminho? A meu ver, ao abismo. Passo a explicar.
Tem sido justificada a medida pelos custos que acarreta a retenção de um aluno (cerca de 5 mil euros) que, com o fim dos chumbos, levaria o Estado a amealhar 250 milhões de euros. Contudo, não passa de mera ilusão. As passagens administrativas obrigarão a um maior investimento no ensino e maiores gastos no desenvolvimento (ou tentativa de desenvolvimento) nacional. Mais recursos no ensino justificar-se-ão pelo facto dos alunos não poderem passar sem saber. Então, terá de existir uma série de apoios para um acompanhamento mais atento das suas dificuldades e que permita criar, em termos cognitivos, turmas mais ou menos homogéneas. E tal significará mais gastos no desenvolvimento, pois terá de ser feito um esforço acrescido para que Portugal acompanhe o ritmo de desenvolvimento do contexto externo. Assim, não vejo onde esta medida trará benefícios a nível económico, podendo somente facilitar o trabalho da classe política.
Esta situação faz-me retroceder aos tempos em que em vez de cidadãos cultos e esclarecidos se pretendiam criar súbditos que estivessem na espuma dos assuntos. Tudo isto me faz pensar que os tão aclamados jovens de futuro são apenas tidos para estatísticas e ideais de poupança, mas cabe-me dizer que já não estamos no tempo pré-revolução, em que os cofres cheios e a taxa de analfabetismo altíssima coexistiam. A contexto externa mudou, a sociedade mudou e estamos todos cientes de que as pessoas e, sobretudo, a educação valem mais do que qualquer cofre cheio. A educação é o investimento da vida.
A taxa de retenção no nosso país tem vindo a diminuir, significativamente, no entanto, no 12º ano, essa taxa continua a ser muito elevada, o que nos mantém distantes da média europeia. Posto isto, numa ótica de progresso, não me parece haver razão alguma para fazer transitar de ano quem menos sabe ou quem tem mais dificuldades. Cada qual tem o seu ritmo de aprendizagem, as suas motivações e os seus estímulos e, como tal, não devemos apressar o seu ritmo, forjar motivações nem estandardizar estímulos. O foco não devia ser passar de ano para bem parecer a nível europeu, mas sim perceber o que melhorar nos métodos de aprendizagem dos alunos e, em vez dos tratar como uma massa igual, perceber as suas nuances e potencializá-las, dando-lhes oportunidades reais, condizentes com a sua individualidade. Se a classe política, que tem nas suas mãos o poder de tomar decisões, não se aperceber disto, estará a colocar Portugal numa posição sensível, em que, para além de ter alunos com conhecimentos coxos e pouco sedimentados, terá de fazer um esforço extra na corrida para ser um país competitivo, uma vez que o seu capital humano será menos qualificado ou pior preparado para corresponder às exigências do mercado.
Tem que perceber-se que o percurso escolar de um jovem não é um sprint de 100 metros, em que se impõe apenas a velocidade como fator determinante, mas uma maratona com obstáculos, em que o salto, a velocidade e a resistência têm de se conjugar.
Portugal precisa que se continue a investir na formação dos portugueses, principalmente dos mais jovens, porque mais do que serem o amanhã, eles são o hoje. E não é sobre alicerces ocos que se constrói o futuro.

Rui Pedro Lopes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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