domingo, 3 de novembro de 2019

Draghi merece a nacionalidade portuguesa…

Mario Draghi tem 72 anos e é o atual governador do Banco Central Europeu. Tem um currículo invejável, sendo doutorado em Economia pela Universidade de Massachussets, de 1984 a 1990 foi diretor executivo do Banco Mundial e de 2005 a 2011 foi governador do Banco Central italiano, tendo estado também na reconhecida Goldman-Sachs. Foi em novembro de 2011 que assumiu a presidência do Banco Central Europeu e hoje em dia é apelidado do grande salvador da Europa e, consequentemente, de Portugal.
Em abril de 2011, o ministro das finanças Teixeira dos Santos e o primeiro ministro José Sócrates pedem ajuda externa financeira à União Europeia. A TROIKA constituída pelo FMI, BCE e Comissão Europeia chega a Portugal com um resgate de 78 mil milhões, com medidas de austeridade muito severas. Nessa altura, o BCE era liderado por Jean Claude Trichet e o euro passava por uma crise intensa, não se podendo assegurar a sua continuidade. Até que chega um tal de Mario Draghi, vindo de Itália e que proferiu uma das frases mais importantes da última década: "Durante o nosso mandato, o Banco Central Europeu fará o que for necessário para proteger o euro. E, acreditem, será suficiente".
Depois disto, é iniciada a política de “Quantitive Easing”, que basicamente é o empréstimo de dinheiro, sem limite, via obrigações, a taxas de juro muito baixas. Um exemplo, em novembro de 2011, Portugal pagava 11,9% de dívida a 10 anos e, em Outubro de 2019, a mesma situa-se nos 0,2%. Isto ajudou os países a terem uma despesa muito menor em juros da dívida. Portugal chegou ao ponto de não conseguir sequer pagar os juros quanto mais abater dívida. Por essa e por outras razões, a dívida chegou perto dos 140% do PIB.
Segundo o Mecanismo Europeu de Estabilidade, nos últimos 8 anos, Portugal terá poupado cerca de 8,4 mil milhões de euros (cerca de 0,7% do PIB em cada ano) devido a esta política proporcionada pelo BCE. Isto representa cerca de 11% do resgate que Portugal sofreu em 2011. O que Portugal gastava em juros em 2014 era equivalente ao que gastava com o Serviço Nacional de Saúde, portanto imaginemos o que aconteceria sem este “Quantitive Easing”.
Mais um indicador deste efeito é que a despesa em juros em % do PIB: em 2014, era de 4,9% e, em 2018, fixava-se nos 3,5% do PIB, o que em termos absolutos representa uma quebra de 3 mil milhões. Esta situação ajuda à diminuição do rácio da dívida em relação ao PIB e, sendo os juros uma despesa corrente, também ajuda a conta mais certas, nomeadamente a um menor défice, como se comprova nos dias de hoje. Estas políticas também permitiram que Portugal conseguisse abdicar da última tranche do empréstimo da TROIKA e conseguisse reembolsar esses empréstimos mais cedo do que o previsto. Numa perspetiva mais europeia, podemos verificar que a Grécia poupou cerca de 13 mil milhões em juros só em 2018(!).
Mario Draghi apostou nestas políticas sabendo que tinha as grandes potências europeias, França e Alemenha, contra ele, e mostrou que para ele tão é importante a maior economia como a menos desenvolvida pois caso Portugal, Grécia e Chipre decidissem abandonar o euro isso seria irremediavelmente o fim do mesmo. Mostrou também que as medidas impostas pela TROIKA não eram a resolução do problema. Uma política de juros baixos ajuda a recuperar a credibilidade dos países junto dos mercados, o que permite um melhor acesso ao financiamento, que propicia mais investimento público (que este Governo podia aproveitar bem melhor). Políticas de juros baixos geram juros ainda mais baixos e Portugal soube aproveitar muito bem isso desde o tempo em que Mario Draghi entrou no BCE.
Na minha opinião, este tipo de políticas ajudou muito os países que tinham dívidas muito altas e que estiveram sob ajuda externa, no entanto países grandes como a Alemanha e a França sofrem pois as taxas de poupança (investimento) mantém-se inalteradas ou até baixam devido ao facto de não haver grande retorno sobre esses investimentos, o que não faz grande sentido pois tivemos sob 4/5 anos de crescimento económico e talvez este não tenha sido tão grande devido a esse facto. E, além disso, quanto mais tempo tivermos um vício mais difícil é sair do mesmo, e não saberemos como a economia pode reagir perante uma mudança de políticas…
Em breve, Draghi será substituído por Christine Lagarde. Pessoas novas, políticas novas. Com a Alemanha na Comissão Europeia e a França no BCE, será difícil que as políticas beneficiem novamente países como Portugal e, nesta fase, uma subida dos juros pode prejudicar muito o país que ainda se encontra numa fase instável e com uma dívida muito alta. Merecerá também Christine Lagarde a nacionalidade portuguesa?

José Pedro Antunes

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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