domingo, 17 de novembro de 2019

Agricultura, de Setor Primário a Setor sem Primazia

Nos últimos dias/semanas muito se tem ouvido falar da Web Summit e sobre o privilégio de Portugal receber de 2016 a 2028 na sua capital a maior cimeira de tecnologia e empreendedorismo do mundo. Para memória futura, este evento custou ao Estado português mais de 20 milhões de euros, que será pago por todos nós num qualquer imposto. Este artigo não é sobre se este evento gera, ou não, algum impacte na economia do país, mas sim sobre a visão que Portugal e os seus governantes têm sobre o desenvolvimento económico, por exemplo, do sector agrícola.
Inicialmente e de uma forma muito abstrata, o problema do setor Agrícola está associado à falta de visão e reconhecimento do contributo do mundo rural para o crescimento e desenvolvimento da economia. Para que se tenha uma ideia, em Portugal, cerca de 48% do território são terrenos agrícolas e 39% áreas florestais. Apenas 2,5% dos agricultores têm menos de 35 anos e 72,3% das explorações totais têm menos de 5 hectares. Estes números ajudam a revelar a enorme dependência do setor agrícola da agricultura tradicional.
O território português possui diferentes tipos de solos e caraterísticas climatéricas, o que lhe possibilita apresentar uma agricultura bastante diversificada. Num contexto económico, e segundo o INE, em 2018 a balança comercial dos produtos agrícolas totalizava um aumento do défice em 80 milhões de euros face ao período homólogo. O problema deve-se ao aumento das importações, 261,9 milhões de euros acima do valor das exportações (181,1 milhões de euros).
Embora a adesão à União Europeia tenha trazido benefícios e progressos ao setor agrícola, existem problemas, estruturais e naturais, que levaram a que este setor tenha vindo a perder peso ao longo das últimas décadas.

                                    Emprego na Agricultura

A baixa densidade populacional e o envelhecimento da população, o baixo nível de instrução e formação dos agricultores, a incapacidade de inovar e modernizar o sistema agrícola, as dificuldades de acesso ao crédito/financiamento e o consequente abandono dos espaços rurais são alguns dos problemas estruturais. Já as condições meteorológicas irregulares e adversas e a qualidade do solo são problemas do tipo natural. Mas não só de problemas naturais e estruturais se carateriza o problema do crescimento do setor agrícola. O orçamento anual da União Europeia contempla 38% das suas verbas, 58 mil milhões de euros, para este setor, que são distribuídas através da Política Agrícola Comum para cada Estado Membro.
Segundo o relatório Agriculture Atlas – Facts and figures on EU farming policy, cerca de 72% das verbas destinadas ao setor agrícola vão para pagamentos agrícolas que assumem a forma de pagamentos diretos à quantidade produzida ou à área total de produção/cultivo. A distribuição destas verbas representa, por si só, um erro no que diz respeito à equidade de pagamentos/recebimentos.
Se, por um lado, quem alcança um nível de produção alto, beneficia proporcionalmente do recebimento destes subsídios, por outro lado, quem possuí muita área de cultivo mas produz pouco, pois não existem objetivos de produção, aufere dos mesmos direitos e benefícios. O grande problema da forma como os pagamentos são realizados está associado ao segundo tipo, isto é, beneficia quem possui bastantes hectares de exploração - normalmente nem são agricultores - e penaliza o pequeno agricultor, que é quem mais precisa.
Mas o quadro atual não nos tranquiliza. Associado à qualidade de distribuição dos fundos comunitários está também e não menos importante, pelo contrário, a quantidade de verbas que a UE disponibilizará a cada Estado Membro. O futuro incerto da Europa, a sua instabilidade, a possibilidade do Brexit, e um possível corte de verbas destinados à Política Agrícola Comum, entre outras áreas, deveriam preocupar a sociedade portuguesa e os seus governantes. Contudo, o que transparece é que as pessoas não percebem, ou não têm noção, da implicação que os fundos comunitários e a agricultura têm no desenvolvimento do país e na vida de cada um de nós.
É urgente repensar o sector agrícola, modernizá-lo e aumentar a competitividade da agricultura portuguesa, de modo a que o nível de produtividade se aproxime dos níveis europeus. A economia portuguesa não deve, ou não deveria olhar para os subsídios agrícolas ou fundos comunitários como rendimentos extras, mas sim como investimentos para que no futuro nos possamos tornar mais independentes das oscilações financeiras, das ajudas externas e, acima de tudo, mais competitivos.

João Pessoa Trigo

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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