sábado, 14 de maio de 2011

A situação actual da economia portuguesa

A situação actual de Portugal tem-me preocupado seriamente, por três motivos:

Em primeiro lugar, custa-me a entender como um comité de três elementos (BCE, Comissão Europeia e FMI), independentemente da designação que lhe queiram dar – ‘troika’ ou ‘triunvirato’ – sem grande conhecimento da economia portuguesa e em apenas três semanas consegue definir um conjunto de medidas mais apropriadas que muitos governos dos últimos anos. Refiro-me, por exemplo, à preocupação com a rigidez do mercado de trabalho ao nível dos despedimentos individuais, elemento frequente nas discussões pré-adesão à União Económica e Monetária que nunca mereceu a devida atenção e que agora pode até levar a uma revisão constitucional. Mas quando me recordo da declaração do Primeiro-ministro sobre o acordo com a ‘troika’ (dia 3 de Maio), preocupado apenas com o “seu quintalzinho” (como acusou o “Financial Times”), então aí tudo fica mais claro. Numa altura em que se exigia outra atitude, preocupou-se com a enumeração das medidas que não entravam no programa, num tom de clara campanha política e aludindo frequentemente ao PEC IV. Por outro lado, temos também assistido a um reduzido número de medidas apresentadas pela oposição e inúmeros contra-sensos e inconstâncias no seio do PSD. Não tenho dúvidas que necessitamos de políticos que coloquem o interesse nacional à frente do pessoal, que tenham um elevado sentido de responsabilidade e que sejam capazes de falar uma linguagem directa e acessível à maioria da população. No entanto, até a indecisão por parte dos eleitores (segundo as sondagens), leva-me a desconfiar cada vez mais da capacidade dos políticos nacionais em gerir o país nesta embrulhada.

Em segundo lugar, fico preocupado porque me apercebo das dificuldades que aí virão para cumprirmos as metas da ‘troika’ e criarmos condições para um crescimento sustentado da economia. Teremos de gerar recursos suficientes para conseguirmos pagar o empréstimo concedido de 78 mil milhões de euros, num contexto de soberania limitada e com pouca margem de erro. Talvez uma auditoria à dívida pública, como sugerido pelo Guardian, tivesse sido uma boa maneira de credibilizar o valor da dívida e assim, aumentar essa margem.

Por outro lado, como Olivier Blanchard indicou no início das negociações de Portugal com a ‘troika’, a ajuda a Portugal deveria ter juros mais baixos do que os da Grécia e Irlanda (têm juros médios estimados próximos dos 4,2% e dos 5,8%, respectivamente). No entanto, notícias recentes dão conta de uma taxa próxima dos 5,5% para a primeira ‘tranche’ de ajuda (se Portugal não cumprir as metas em determinado momento, não receberá as ‘tranches seguintes), situação que já mereceu alguma relutância por diversos economistas, entre os quais Jacinto Nunes e Silva Lopes, que a consideram difícil de suportar, dada a fraca perspectiva de crescimento económico dos próximos anos. Este valor inclui já uma taxa Euribor revista com o recente aumento de juros do BCE que, diga-se também, parece ter sido apenas efectuada para beneficiar a Alemanha, o único país da Zona euro a apresentar elevado crescimento do PIB, uma reduzida taxa de desemprego e uma inflação que excede os 2% que se tem como limite.

De qualquer forma, os valores para esses juros serão definidos oficialmente na próxima reunião da ECFIN (16 de Maio), pelos ministros das Finanças da UE.

Por último, a abertura de porta à invasão de têxteis paquistaneses em Portugal, que podem passar a ter isenção de tarifa têxtil, parece-me mais um contratempo face à tão desejada competitividade nacional e ao saldo positivo entre exportações e importações. Basicamente, a Comissão Europeia deverá rever a sua política comercial, oferecendo condições preferenciais ao Paquistão, que é concorrente directo de Portugal em produtos têxteis e vestuário. Vieira da Silva, ministro da economia, já alertou que “esta proposta vai implicar a destruição severa da indústria têxtil portuguesa”. Esta situação merecerá a minha maior atenção nos próximos tempos.

Correcção: Afinal quando penso na situação actual de Portugal não fico preocupado, mas sim… deprimido.

Miguel Moreira Carvalho

Bibliografia
“Portas recusa governar com Sócrates à frente do Executivo” – Diário Económico 10 Maio 2011
Programa da ‘troika’ – Diário Económico 10 Maio 2011
“Bruxelas abre a porta à invasão de têxteis paquistaneses em Portugal” – Diário Económico 10 Maio de 2011
“O preço do dinheiro” – Diário Económico 6 Maio 2011
“Can Europe escape the debt trap? Yes – and here’s how” - Guardian 4 de Maio de 2011
“Pagar juros de 5,5% à UE obriga a prolongar medidas de austeridade” – Diário Económico 11 Maio 2011

[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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