"O Reno é o rio que as deve unir (a França à Alemanha), fizeram dele o rio que as divide"
Victor Hugo - Reno, cartas a um amigo, 1838/9
Muitos se esquecem mas a História e o Mundo em que vivemos foi feito à base de guerras e conflitos. O equilíbrio em que hoje vivemos é causa directa de duas guerras, uma destrutiva e outra ameaçadora/dissuasora. A destrutiva é a Segunda Grande Guerra e não é preciso explicar porquê. A ameaçadora/dissuasora foi a Guerra Fria que fez com que durante mais 40 anos o mundo vivesse uma situação de paz precária.
A Segunda Grande Guerra marca o fim de um ciclo que durou 80 anos e que ficou marcado por três guerras, em que se contrastaram a Alemanha e a França. Para pôr fim a esta hostilidade, Robert Schuman, ministro dos negócios estrangeiros francês e combatente na Primeira Grande Guerra, propôs no dia 9 de Maio (que é agora o dia da Europa) de 1950 o fim da hostilidade entre os dois países e apelou à paz na Europa.
Juntamente com Monnet, edificou a estrutura da futura União Europeia, assente em dois pólos, com o objectivo de defender a paz, promover a democracia e o desenvolvimento.
Para fomentar a Democracia, o Estado de Direito e os Direitos Humanos apareceu o Conselho Europeu. O pólo do desenvolvimento tinha como base a Comunidade Europeia. Desta saiu a livre circulação de capitais e mercadorias, o que causou uma progressiva fusão dos mercados com uma cada vez maior harmonização de normas e processos. O desenvolvimento dos laços económicos tornou-se assim a barreira mais forte à possibilidade do deflagrar de conflitos entre os Estados.
O desenvolvimento e a coesão do projecto europeu deveram-se em grande medida à existência de um “inimigo” exterior, que era naquela altura a União Soviética e a ameaça comunista. Desde 1989 que o projecto europeu parece menos assertivo e convicto no seu desenvolvimento. Mas mesmo assim grandes passos têm sido dados nestes últimos 20 anos, tendo óbvio destaque o aparecimento da moeda única e o alargamento a leste.
Num período como o actual em que os próprios europeus e, mais grave ainda, as suas lideranças parecem pouco interessadas em levar o projecto europeu para “bom porto”, urge lembrar que hoje, mais que há 60 anos, ele é necessário e que o seu desmoronamento poria em causa tudo que se conquistou nestas décadas, que foi “simplesmente”: a liberdade, a paz, a lei, a prosperidade, a solidariedade e a diversidade. Aspectos referidos pelo historiador Timothy Garton Ash quando em 2007, no aniversário dos 50 anos do Tratado de Roma, quis lançar um grande debate para a construção de uma história comum, que dê o impulso para mais 50 anos de projecto europeu. Para que possa ser contada ora em Barcelos, ora em Cracóvia e que substitua a narrativa que convenceu as primeiras três gerações de europeus durante a guerra fria.
Como europeísta que sou, ele lembra-me a mim e a todos os que estão “fartos dos rodriguinhos de Bruxelas” que “pensem nas alternativas”. Há quem ache que o perigo de conflitos armados dentro da Europa é irrisório, mas essas pessoas esquecem-se que na década de 90 houve duas guerras nos Balcãs, muito perto de nós, e que foi necessário haver uma intervenção norte-americana para se por cobro à situação.
Timothy Ash preconiza um patriotismo europeu com base numa identidade europeia, necessariamente secundária e mais fria que a identidade nacional. Acabando o texto da sua proposta com estas palavras: “Ninguém pede aos europeus que morram pela Europa. Ninguém pede sequer à maior de nós para viver pela Europa. A única coisa que nos pedem é que deixemos a Europa viver.”
Valdemar Machado
[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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