No início da segunda
década deste século, Portugal assumiu um compromisso, no contexto da Estratégia Europa 2020, no qual se propunha
a alcançar determinados objetivos, dos quais destaco a intenção de “assegurar o
emprego de 75% da população entre os 20 e os 64 anos”, nos 10 anos que se
seguiam.
Embora o Eurostat1 tenha revelado
que Portugal em 2012 estava dois pontos percentuais abaixo da média Europeia
(66.5%, contra 68.5%), no caminho para a meta estabelecida para a taxa de
emprego da Estratégia 2020, os cidadãos portugueses têm, nos
últimos tempos, sido surpreendidos pelas constantes descidas da taxa de
desemprego - repare-se que só neste ano se chegou a verificar uma sexta descida
mensal consecutiva. Este tema tão polémico e gerador de conflitos foi, até há bem
pouco tempo, sendo apontado como um dos principais responsáveis por toda a
situação de instabilidade económica, mas parece que agora surge por outros
motivos, motivos que à primeira vista parecem animadores!
Será que esta descida
da taxa de desemprego é mesmo um sinal de recuperação? Os mais céticos leem
este número com muita descrença e insignificância, contudo, para outros, esta é
uma verdade indubitável e que parece o prenúncio daquela manhã de nevoeiro tão
desejada. Mas o que é que estará atrás destes meros números que dá tanta
esperança aos decisores políticos portugueses, que chegam a considerar este "um
importante avanço na situação social e económica do país"? Sinceramente,
por mais que me esforce, não consigo perceber como é que uma notícia deste género,
especialmente em época de elevada sazonalidade, possa ser considerada uma
vitória - é interessante ver que isto para alguns possa significar tanto e para
outros tão pouco.
Pondo de parte opiniões
e olhando apenas para dados estatísticos relativos ao emprego, constata-se que,
efetivamente, a tendência de aumento da taxa de
desemprego se inverteu, e, como se costuma dizer que contra factos não
há argumentos, parece que a promessa feita há alguns meses - “Faremos tudo, não só para estabilizar, mas também para
diminuir a taxa de desemprego” - está a ser cumprida, mas o que é que será que
este “tudo” envolve?
As causas
do desemprego não são tão lineares como aparentam e a sua redução implica algo
bem mais complexo e estruturado do que aquilo que tem sido feito, porque, para
além de ambicionarmos aumentos na taxa de emprego, é também importante termos
crescimento económico. Há quem diga que o desemprego se deve, principalmente, à
inflexibilidade por parte dos trabalhadores e sindicatos relativamente às
remunerações que, ao tentarem impedir que estas sejam reduzidas, acabam por não
permitir o pleno emprego dos recursos. Nesta linha de pensamento, acredita-se
que descendo os salários se consegue facilmente fazer o matching entre procura e oferta de emprego, encontrando
supostamente o salário de equilíbrio que garanta esse tal pleno emprego. Na
verdade, não podemos resumir este ajustamento a uma mera alteração de salários.
Segundo Keynes2, é de extrema importância relembrar que as empresas
pensam, primeiramente, no destino do seu output
e só depois nas remunerações. E o que podemos concluir é que os empresários deixam
de contratar trabalhadores porque estão pessimistas quanto ao futuro, e não apenas
porque os salários estão altos. Qual seria a empresa que continuaria a
contratar só porque é barato fazê-lo mesmo sabendo que não consegue escoar o
produto?
Os líderes portugueses parecem não estar muito
de acordo com este ponto de vista, e aquilo que temos presenciado é uma aposta intensiva
na precaridade dos trabalhadores e na sistemática redução dos seus salários,
pois em concordância com esta ideologia o Sr. Primeiro-Ministro chega a afirmar
que a medida mais “sensata” contra o desemprego seria baixar o salário mínimo.
Sim, utiliza a palavra “sensata” para caracterizar uma medida que aumentará,
ainda mais, os níveis de pobreza do nosso país, e ainda apela à resiliência dos
portugueses.
Centrando
a nossa atenção, mais uma vez, naquilo que parece ser a única coisa vista por
algumas pessoas - taxa de desemprego -, verificamos que esta ideia de redução
dos salários não é assim tão má. O problema surge quando esmiuçamos os dados e
começamos a perceber que esta criação de emprego, tão vangloriada, pode ser
explicada, em parte, pelo facto de se ter registado um aumento na criação de
empregos mal remunerados, isto é, empregos cujo salário está bem abaixo do
nível de pobreza, que, segundo o observatório das desigualdades, está fixado
nos 421 euros líquidos, se considerarmos 12 salários.
Em Portugal tenta-se, de uma forma
muito peculiar, arranjar maneira de se (fingir) cumprir o prometido, criando,
por exemplo, o “Incentivo Emprego”, que, a meu ver, serve para resolver coisa
nenhuma. Senão vejamos: o país vive orientado por políticas baseadas essencialmente
no corte da despesa pública, como é que, então, se considera viável implementar
uma medida que visa oferecer às empresas 1% do salário dos novos contratos quando
se assiste simultaneamente a sistemáticos cortes de pensões e salários dos
funcionários públicos? Apela-se constantemente aos cidadãos compreensão porque
é necessário reduzir a despesa e blá blá blá, e o Estado transfere recursos públicos
para o sector privado desta forma! O Estado Português podia mobilizar estes
recursos para cumprir com as suas obrigações e não o faz, pois, de acordo com
um estudo da Intrum Justitia3 parece que seguimos o ditado do pagar e morrer
quanto mais tarde melhor. Este estudo conclui que as entidades públicas
portuguesas demoram, em média, 139 dias para liquidar uma fatura. Agora
pergunto: como é que, com financiamento caro e escasso, e sem verem as suas
dívidas liquidadas, as PME’s conseguem fazer face às dificuldades de tesouraria
e liquidez? Esta cultura de pagamentos em atraso cria um círculo vicioso que
retrai a economia, estimula falências e que, se fosse contrariado, isto é, se
se pudesse garantir os pagamentos dentro dos prazos legais, estima-se que o PIB
poderia subir 3% e que cerca de 120 mil postos de trabalho seriam criados no
primeiro ano de cumprimento.
Se agora, depois de tudo isto, é
difícil acreditar que este é um sinal de recuperação, a nossa incredulidade
aumenta quando olhamos para dados relativos à emigração. No ano passado, a
tendência de emigração foi tão grande que o número de indivíduos que abandonou
o país para procurar emprego foi superior ao total de nascimentos. É óbvio que,
se a população ativa diminuir, se verificará uma queda na taxa de desemprego, mas
os efeitos deste conselho dado aos portugueses arrasta consequências muito mais
gravosas do que uma “falsa” descida na taxa de desemprego, nomeadamente a perda
de capital humano, potencialmente gerador de riqueza, a insustentabilidade do
nosso país.
Para que se consiga,
efetivamente, reduzir o desemprego, Portugal precisa, sem qualquer dúvida, de
tomar outro rumo, pois aquilo a que temos vindo a assistir é que as políticas
portuguesas acabam sempre por revelar resultados perversos. Paul Krugman chega
a referir-se a Portugal como um “exemplo do erro”, acreditando que os aumentos
na carga fiscal dos cidadãos e os frequentes cortes na despesa pública contraem
ainda mais a economia e acabam, consequentemente, por agravar o desemprego.
Portugal deveria apostar agora na criação de empregos e, posteriormente, na
redução de défices. Esta abordagem de austeridade que tem sido levada a cabo no
nosso país irá levar a níveis de desemprego ainda maiores, défices crónicos e a
uma recuperação muito mais dificultada. Vendo que Portugal cumpre as
recomendações da Troika e, mesmo assim, não consegue atingir as metas previstas,
é caso para afirmar: “O estudante que cumpre
todos os seus deveres e mesmo assim não atinge os objetivos não é bom aluno. É
burro. Portugal é burro. Esta é a dura realidade”4.
Joana Ferreira
Notas:
1. EUROSTAT, Statistics Database – Employment rates by
sex, age and nationality; code: lfsa_ergan (http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do)
2. The
General Theory of Employment, Interest and Money; Keynes 1936
3. European Payment Index 2012, Intrum Justitia
4. Frase retirada de um artigo de opinião intitulado: “A crise é à
prova de crise”, de Ricardo Araújo Pereira; Publicado na Revista Visão, 25 a 31
de julho 2013.
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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