A enorme expansão do sector imobiliário dos Estados Unidos gerou uma massiva oferta de hipotecas, das quais quase uma quinta parte foi concedida a famílias que só tinham rendimentos à justa para pagá-las, quando as taxas de juro estavam baixas. À medida que as taxas de juro foram subindo e as hipotecas foram encarecendo começaram a dar-se as faltas de pagamento. Isto afecta imediatamente os bancos que tinham concedido estas hipotecas, mas perante o que normalmente fazem com os títulos, a crise estendeu-se. O que acontece é que os bancos que concedem estas hipotecas vendem, por sua vez, os títulos hipotecários nos mercados financeiros. Esta é a forma pela qual os bancos convertem o endividamento familiar num impressionante negócio, porque recebem o dinheiro que emprestaram mais os juros e, além disso, obtêm lucros negociando os títulos de crédito. Quando começa a haver faltas de pagamento, porque os juros subiram ou porque diminuiu o rendimento familiar, gera-se um efeito em cadeia que é o que leva a que a crise se estenda. Gera-se assim uma crise de liquidez, não porque "faltem" meios de pagamento, mas porque são retirados. Isto acontece porque actualmente a imensa maioria dos meios de pagamento são "fictícios", isto é, papéis financeiros semelhantes aos títulos hipotecários, que estão vinculados principalmente a operações financeiras de carácter especulativo. Ainda que a crise se inicie no mercado hipotecário de um país, neste caso dos Estados Unidos, é indubitável que se estenderá por todo o globo, pois os mercados financeiros são globais e os bancos e investidores. Directa ou indirectamente os bancos são verdadeiros protagonistas das bolhas especulativas imobiliárias dos últimos anos, das aquisições especulativas de empresas e do vaivém das bolsas. Mas agora, a questão centra-se, nos bancos depois de terem colocado as suas reservas em tantos investimentos especulativos, estarão em condições de suportar uma crise de liquidez financeira, uma drástica diminuição da capacidade de endividamento das famílias e das empresas, com falta de pagamentos mais ou menos generalizados, ou uma explosão da bolha imobiliária que reduza o valor contável dos seus activos. Isto é, se dispõem de recursos financeiros suficientes para fazer frente aos pedidos efectivos ou para proporcionar os recursos financeiros que a vida económica requer. Nas últimas décadas a actividade bancária mudou e dedica-se a colocar a poupança, principalmente, em operações financeiras especulativas. Graças ao apoio dos bancos centrais (que os apoiam quando necessitam) e ao ambiente geral de aceitação que este estado de coisas tem, os bancos puderam aumentar os seus negócios, mantendo uma percentagem de reservas cada vez mais pequena, o que logicamente aumenta a sua rentabilidade, como vem sucedendo, mas aumenta exponencialmente o risco e diminui a sua solvência. A consequência de tudo isto é o extraordinário aumento da instabilidade do sistema e do risco assumido. A pergunta que actualmente é inevitável ser feita é se, nesta louca corrida ao lucro, os bancos não terão chegado ao paroxismo e ao risco excessivo?
Lília Martins
Lília Regina Vieira Martins
(artigo de opinião)
1 comentário:
Tenho ouvido muito se falar em ganância ou irresponsabilidade dos bancos, mas fico a pensar naquela famosa frase do Adam Smith: "não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio 'auto-interesse'". Ora, o que os bancos e seguradoras e fundos de pensão fizeram não foi nada mais que buscar a maior rentabilidade. Parece adequado buscar um retorno de 100, quando se pode ter um retorno de 200? Claro que não. Não estou propondo uma teoria alternativa, só estou dizendo que as coisas não poderiam ser muito diferentes do que eram.
Avançando um mocadinho mais, o que essa crise representa? O fracasso do neoliberalismo? Surgirá um novo tipo de Estado? Como controlar as ações individuais preservando o sigilo e liberdade? A crise financeira parece ser o menor problema perante os conflitos ideológicos que surgem dela e a partir dela.
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