quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Vende-se ilha gelada

Como se transformou “ o primeiro país do mundo gerido como um fundo de alto risco”, apontado como um modelo de futuro e visão, num dos países mais afectados pela crise capitalista?
Era uma vez uma ilha isolada no noroeste europeu, conhecida pelo elevado índice de desenvolvimento humano e um dos países com melhor qualidade de vida.
Antes de 2000, grande maioria dos seus bancos eram de propriedade pública e aplicavam políticas conservadoras em questões como empréstimos e créditos. Os juros reais, isto é, os juros, levando em linha de conta a alta taxa de inflação da Islândia, eram baixos e inclusivamente negativos. Não se dava facilmente crédito e era bastante difícil conseguir empréstimos individuais. Por esta razão, a burguesia capitalista islandesa, invejosa dos lucros conseguidos noutros bancos europeus, conseguiu pressionar o sistema bancário até à sua desregularização e, consequente e inevitável, privatização.
Num país como a Islândia esperar-se-ia que a privatização fosse adquirida mediante concurso, democraticamente. No entanto, foi atribuída a pessoas que mantinham estreitas ligações com a coligação conservadora governante com experiência na banca moderna.
Deste modo, a elite islandesa, que tomou conta do sistema bancário, começa a optar por políticas mais liberais de regulamentação, concedendo empréstimos e créditos com maior facilidade, recorrendo ao método da “bicicleta financeira” (operações nas quais se recebe dinheiro emprestado numa moeda a taxas baixas para o colocar noutra moeda a taxas mais altas).
Deu-se um “milagre financeiro” com este aumento de capital. Empresas e bancos islandeses endividaram-se, comprando valores na Europa, nomeadamente empresas hipotecárias inglesas.
Tudo parecia correr às mil maravilhas para a Islândia, mas no último ano, à medida que a crise mundial se alastrava, os bancos islandeses começaram a pedir a devolução dos seus empréstimos, já que estavam muito reticentes a emprestar dinheiro. Fundamentalmente, o problema foi os bancos islandeses terem um alto nível de alavancagem financeira, ou seja, dívida em relação aos activos reais.
O Financial Times informava, a 8 de Outubro, que segundo o Banco Central da Islândia, o dinheiro em dívida dos seus bancos ao estrangeiro, no segundo trimestre de 2008, era seis vezes o PIB da Islândia.
Assim, com o sistema financeiro a entrar em colapso, os bancos começaram, um por um, a serem nacionalizados.
Como consequência, o parlamento teve necessidade de conceder poderes extraordinários ao governo, decidindo este intervir no LandsBanki, segundo maior do país, e fazer um empréstimo de 500 milhões ao Kaupthing, o maior banco Islandês.
A Islândia converteu-se num "sistema bancário razoavelmente grande com um pequeno país acoplado" (The Financial Times. 8/10/2008). Com a nacionalização do LandsBanki no dia 7 de Outubro o Governo Britânico decidiu congelar 4.000 milhões de libras em valores do LandsBanki, recorrendo à lei anti-terrorista.
O objectivo era combater uma "acção que ia em detrimento da economia britânica".
O governo britânico dizia que tinha utilizado os seus poderes para proteger os pequenos depositantes britânicos pois não era claro que o Landskanki conseguisse cobrir todas as obrigações. No dia seguinte o governo britânico assumiu a administração da filial britânica do banco islandês, Kauphting, fazendo com que a empresa, com base na Islândia, entrasse em bancarrota técnica. O governo islandês viu-se ainda obrigado a nacionalizar o Kaupthing.
Tratava-se da forma como os capitalistas e os seus representantes se tratam entre si. Quando estavam ameaçados os benefícios da sua classe capitalista, o governo britânico fez aquilo que conseguiu, sobretudo sendo contra um país pequeno e menos poderoso como era o caso. Assim, congelou os bens dos bancos islandeses na Grã-bretanha independentemente do efeito que isso tivesse para o seu aliado. Por seu lado, o governo islandês teve que recorrer à carta nacionalista e tentou culpar o governo britânico. Na realidade, o que está por trás disto é a loucura do sistema capitalista. Apesar dos bancos islandeses não terem estado expostos ao risco do sub-prime, estavam envolvidos numa bolha especulativa gerada pelo capitalismo mundial que acabava de explodir.
No ano 2000 os activos combinados dos bancos islandeses eram inferiores ao PIB anual desse ano, agora calcula-se que esses activos, baseados na dívida, sejam aproximadamente 10 vezes o PIB.
Moscovo foi a primeira potência estrangeira a vir em auxílio de Reykjavik com um empréstimo de quatro mil milhões de euros, um dia depois da crise ter rebentado.
Actualmente o sector turístico é o principal motor de uma economia que tenta dar os primeiros passos após a bancarrota, visto que com a queda da Krona o número de turistas aumentou desde 2002 – 12% só em Agosto.
Johanna Sigurdardottir, que sucedeu a Haarde no cargo de primeira-ministro em Maio, afirma estar no caminho da recuperação. Para compensar os credores estrangeiros foi oferecido o controlo de dois dos bancos credores; a economia tem revelado uma capacidade de resistência maior do que o esperado, na medida em que uma divisa mais fraca ajudou as exportações de peixe e de alumínio, para além de que, segundo Sigurdardottir, o desemprego está mais baixo do que se previa e a contracção não é tão grave como se esperava. O ministro das Finanças do país espera uma contracção de 8,5% este ano, pouco acima do previsto na Irlanda, e a taxa de desemprego, nos 7,5%, é inferior à dos EUA e de vários países desenvolvidos.
A Islândia, até então um dos países mais ricos do mundo em rendimento per capita, tornou-se no país mais seriamente afectado pelo colapso global do crédito: um verdadeiro estudo de laboratório sobre a forma como uma combinação explosiva de desregulação financeira, livres fluxos de capital internacional e as operações de um bando implacável de empresários dispostos a conquistar o mundo, quais "salteadores vikings", a poderem colocar um país de rastos.

Emanuel Meira Rego
[artigo de opinião produzido no âmbito da u.c. "Economia Portuguesa e Europeia", do Curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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