domingo, 13 de novembro de 2016

De Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos

Hoje em dia a discussão já é inevitável: estamos ou não a caminho da “espanholização” da banca portuguesa? Portugal é ou não mais uma província espanhola aos olhos do BCE, que manda no Banco de Portugal? E qual é o impacto disso na economia e nas empresas portuguesas?
Há 9 seculos, D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos mouros. Agora é a vez dos espanhóis conquistarem o centro financeiro do país.
As explicações para o que se tem passado no sistema financeiro português assentam numa combinação obscura de falhas graves de regulação e um nível muito elevado de crédito mal parado. As crises de 2008 das dívidas soberanas, arrastaram o rating da república e encarregaram-se de pôr a nu os riscos endémicos da economia portuguesa. O que se passou ao longo dos últimos anos está a traduzir-se numa mudança radical do panorama bancário português.
Hoje é tentador e legítimo expressarmos a nossa indignação com o que a banca, o regulador e o governo de então permitiram que ocorresse. No entanto, talvez seja primordial refletirmos um pouco sobre as armadilhas em que estamos a cair enquanto há tempo para isso, porque depois pode ser demasiado tarde. Os mercados devem funcionar, mas mais importante que isso existe uma questão de estratégia nacional que deve prevalecer.
Uma verdade é certa neste momento: o capital privado não tem forma de gerir a banca de maneira a que corresponda aos interesses do país. Portanto, considero que o estado deve interferir e resguardar a banca. No caso do Novo Banco pode ser mais fácil porque basta não vender. Confirma-se que existiu uma intenção deliberada de se fomentar a consolidação da banca espanhola através da absorção de bancos portugueses. A resolução do Banif custou aos contribuintes portugueses 2250 milhões de euros. O Estado funciona, assim, como o depositário dos prejuízos e agente de limpeza, para entregar o banco, livre de riscos e prejuízos, quando podia e devia assumir o controlo público do Banif, assegurando a sua gestão ao serviço dos interesses nacionais.
Portugal está a perder controlo sobre o seu sistema bancário e a intervenção do estado pode esbarrar sempre nas instituições Europeias: Bruxelas está a exigir cada vez mais coisas, que fazem cada vez menos sentido.
Será esta a estratégia do BCE querer que os bancos tenham estruturas acionistas que garantam capacidade de absorver perdas? Esta postura choca com o que se defendia depois do colapso financeiro, isto é, que não podiam existir bancos “too big do fail”. Mas com grandes grupos o risco de exposição cresce, e Portugal está cada vez mais exposto a Espanha.
Esta estratégia obedece a uma “reengenharia industrial” que extravasa o mandato do BCE definido no tratado europeu. Tal como na época dos grandes impérios europeus, a estratégia para a banca passa por ter as periferias da Europa a funcionar em prol do centro. Como a banca nacional não tem capacidade para comprar bancos espanhóis, o inevitável é o movimento inverso.
Os “patrões” do turismo, do comércio e indústria juntaram-se no alerta contra o risco do domínio da banca portuguesa por capitais espanhóis. A acontecer essa dominância, é por demais evidente que muitas das decisões estratégicas para o financiamento da economia nacional vão ser tomadas a partir de Madrid. Numa economia em que a banca tradicional era o pilar que alavancava estas PME, pode acontecer uma grande tempestade na economia nacional. A CGD, a joia da coroa, poderá ser a única defesa da economia nacional, e no apoio ao tecido empresarial. Urge impormo-nos perante Bruxelas. É a nossa economia que está em causa.
Não existe em Portugal capacidade de criar grandes bancos portugueses para fazer face à concorrência internacional. A curto prazo, a banca espanhola poderá controlar cerca de 60% dos balcões em Portugal. Sobra quem? Sobra o quê?
Uma Caixa Geral de Depósitos do Estado prestes a pedir a Bruxelas a transformação dos 950 milhões de euros de empréstimo em capital e mais um aumento de 500 milhões de euros, pelo menos, a sair do nosso bolso e a ir a défice. Um Montepio a consumir cada vez mais capital por causa das sucessivas imparidades decorrentes de erros acumulados. Um grupo Caixa Agrícola, felizmente sólido, confinando em termos de banca a um setor específico. E não sobra mais nada.
A única alternativa aos estrangeiros é o Estado? Para alguns, a resposta é sim. No atual contexto não há investidores portugueses, com capital ou crédito, ainda que com vontade, para assegurar o controlo de um banco de grande dimensão. As soluções não são fáceis, com Bruxelas a querer juntar demasiados bancos, banquinhos e banquetas em poucas marcas europeias.
Não tenho nada contra os espanhóis, bem pelo contrário. Mas a verdade é que a banca espanhola invade Portugal com a sua incrível armada. Ficaremos à espera para ver qual será a próxima jogada no xadrez acionista. A tendência é inevitável. Convém não tomarmos como papel o de ingénuos!

Vitor Guimarães

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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