quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Desemprego camuflado

Tem-se vindo a falar de uma redução do desemprego e dos “sinais” de retoma da economia, registando-se, efetivamente, uma redução da taxa de desemprego oficial. Mas será assim tão certo que estamos perante uma maior empregabilidade e uma diminuição real da taxa de desemprego?
Podemos começar por decifrar o que não entra para o cálculo da taxa de desemprego. Há uma franja da população que estando desempregada não conta, no entanto, para a taxa de desemprego, nomeadamente os desempregados que não procuram um emprego (“inativos desencorajados”), todos os desempregados inseridos num curso de formação profissional e programas de emprego (que não se traduzem na integração direta no mercado de trabalho), mais conhecidos como “desempregados ocupados” e a população emigrada.
Nos últimos anos, o Governo incentivou a formação profissional e foi criando vários programas com o objetivo da integração dos desempregados, resultando toda esta “integração” numa diminuição do desemprego, o que não corresponde totalmente à verdade. Será que um desempregado que seja inserido num programa para formação ou estágio profissional estará realmente “empregado”?
Quanto à primeira questão, as diversas ofertas formativas de pequena (Formação Modular), média (Formação Profissional Qualificante) e longa duração (Formação de dupla Certificação – escolar e profissional) têm vindo a crescer significativamente nos últimos anos, em consonância com o aumento do desemprego. A população envolvida nestas formações não é considerada desempregada durante o percurso formativo, sendo designada como colocada. Apesar destes não estarem efetivamente empregados são dados como ocupados, tendo este número aumentado significativamente de 2009 a 2014. Dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) confirmam este crescimento, registando-se atualmente 160.647 ocupados (média mensal), em comparação com 31.479 no ano 2009. Desta forma, uma parte significativa de desempregados foge às estatísticas.
No que respeita aos estágios profissionais, a resposta não é totalmente positiva, pois apesar dos estágios oferecerem uma oportunidade de experiência prática em contexto de trabalho, que pode ser bastante interessante para jovens que procuram o seu primeiro emprego e nunca tiveram contacto com o mundo do trabalho, não garante um emprego futuro e desta forma, no curto prazo, permite mascarar os números do desemprego. De acordo com o IEFP, em setembro de 2014 estavam abrangidos 57.716 indivíduos na medida estágios emprego.
Também os emigrantes, empurrados em busca de novas oportunidades, rejeitando o futuro incerto que teriam de enfrentar em Portugal e tentando melhorar a sua qualidade de vida, contribuem para estes “bons resultados” que o Governo gosta de proclamar. Entre 2008 (quando se iniciou a crise) e 2012, o fluxo de emigrantes mais do que duplicou, subindo nestes 4 anos 155%. Esta tendência de crescimento da emigração continuou, registando-se um aumento de 51.958 emigrantes permanentes em 2012 para 53.786 em 2013, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Estes emigrantes, na sua maioria, tentaram enfrentar o mercado de trabalho, o que se torna difícil nas condições que Portugal atualmente apresenta, acabando por fazer parte da elevada taxa de desemprego. A sua saída do país alivia desta forma os números do desemprego.
Podemos então concluir que esta redução de desemprego não advém, apenas e só, de uma “retoma” do crescimento da economia decorrente do “sucesso do ajustamento”, como o Governo gosta de fazer transparecer, mas tem por trás diferentes causas que passam muito ao lado de um “sucesso” do ajustamento ao qual Portugal esteve (e ainda está!) a ser sujeito. Arriscaria até dizer que se trata do oposto, pois um ajustamento que leva as pessoas a não terem alternativa senão deixar o seu país e família, viver em constante mudança e sobressalto, mudando de curso profissional em curso profissional, sem ter boas perspetivas para o futuro, não é um ajustamento feliz. Pode até ter resultado numa diminuição dos valores oficiais da taxa de desemprego, mas não numa real redução do desemprego.

Francisca Braga

Bibliografia:
Instituto Nacional de Estatística: www.ine.pt
Instituto do Emprego e Formação Profissional: www.iefp.pt
“Informação Mensal do Mercado de Emprego”, Setembro 2014:
“Relatório de Execução Física e Financeira”, Setembro 2014:
https://www.iefp.pt/documents/10181/747525/Relatorio+de+Execu%C3%A7%C3%A3o+Financeira+setembro+2014.pdf/5649afcd-bec5-4397-8bfc-7f062b98d71d

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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