terça-feira, 14 de outubro de 2014

Um olhar sobre a crise no setor da construção em Portugal

O setor da construção em Portugal atravessa uma crise sem precedentes, com centenas de empresas a fecharem as portas todos os dias, e as que se têm aguentado só a muito custo o conseguem. Infelizmente, o panorama futuro não augura melhorias.
Para se perceber melhor esta crise importa começar por descrever o peso que o setor da construção tinha em Portugal em comparação com o resto da Europa, e para isso nada mais exato que recorrer a alguns dados estatísticos.
Nos últimos 4 anos da década de 90, o sector cresceu 30%, mais de 10 vezes a média da UE. Nos primeiros anos do novo milénio, Portugal era, relativamente à sua população, o país da Europa onde se construíam, anualmente, mais habitações, apesar de ser aquele que detinha um maior número de habitações per capita. Em 2007, antes da crise rebentar, Portugal tinha 3 vezes mais empresas de construção por unidade de PIB do que a média dos países da União Europeia (UE27). 
Em 2011, a produção do sector da construção em Portugal ainda representava uma proporção de 12,4% do PIB, em comparação com os 10,5% dos 15 países da Europa Ocidental pertencentes à Euroconstruct (Grupo de pesquisa e previsão do sector europeu da construção). Do mesmo ano de 2011 temos ainda outro interessante dado estatístico, o qual nos revela que, neste mesmo ano, Portugal tinha mais de 1.800.000 habitações sem ocupação permanente, das quais mais de 730.000 se encontravam totalmente devolutas. Em relação à população, Portugal tinha, em casas devolutas, nesse ano, mais de 2,5 vezes a média dos países da Europa Ocidental do Euroconstruct. Entre 1991 e 2011 foram construídos mais de 80 mil alojamentos, o que corresponde a construir uma cidade maior do que Coimbra, por ano, durante 20 anos. 
O investimento no setor da construção no 2º trimestre de 2013 registou quedas de 13% face ao mesmo período de 2012 e de 1,0% face ao 1º trimestre de 2013. Variações que  embora negativas apresentam um certo abrandamento na tendência de queda nos últimos anos. Num país que tem por hábito constar na cauda da Europa em grande parte das análises estatísticas, os dados referidos em cima constituem uma clara anormalidade.
“Não podemos desvalorizar o papel que o sector teve no crescimento económico português dos últimos 40 anos, pois soube adaptar-se aos enormes desafios que lhe foram colocados, mostrando capacidade de executar, com reconhecida qualidade, os inúmeros projetos que lhe apresentaram”, como referiu Ricardo Pedrosa Gomes no artigo “Os construtores queixam-se com razão!”, publicado no jornal Público.
Apesar de ser verdade o que diz Ricardo Pedrosa Gomes, também é verdade que foram cometidos alguns exageros e muitos destes foram feitos com dinheiro dos contribuintes. Estes resultam, segundo Vitor Cóias, “da prevalência dos interesses corporativos sobre os interesses do país e da grande influência do lóbi do imobiliário e da construção sobre os decisores políticos”. 
A facilidade na obtenção de crédito, a realização de obras públicas com propósitos meramente eleitoralistas, entre outros fatores, ajudaram a criar uma espécie de bolha imobiliária, que só era uma questão de tempo até rebentar. “É necessário que o setor da construção compreenda que as mudanças são para ficar e dificilmente, num futuro próximo, voltaremos aos excessos do passado. Mais do mesmo seria desastroso para o país e, vendo bem, contrário à própria sustentabilidade do setor da construção, que não tardaria a cair na crise seguinte”, como afirmou o mesmo Vitor Cóias no artigo “Os construtores queixam-se. Mas… têm razão?”, publicado no jornal Público.
Como não poderia deixar de ser, quem mais está a sentir esta crise não são os responsáveis por ela, mas sim a classe trabalhadora portuguesa. O sector da construção empregava, antes da presente crise, cerca de 600 mil pessoas, sendo o segundo maior empregador a seguir ao estado. Com empresas a falir ao ritmo atual, muitos deles estão a perder o seu emprego, sendo que neste sector há a agravante de grande parte dos seus trabalhadores terem baixas qualificações (2/3 não tem mais que a 4º classe), e muitos deles estarem numa faixa etária na qual não é fácil voltar a encontrar emprego. Num panorama mais geral, constatamos que a maior parte dos empregos perdidos no último ano – 84 mil dos 103 mil – são oriundos do setor da construção e do imobiliário. Quer isto dizer que, segundo a Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário (CPCI), oito em cada dez novos desempregados são oriundos da construção. 
Depois de expostas as causas e consequências desta crise, importa procurar soluções. E a solução mais apontada para recuperar o sector passa pela internacionalização. Muitas construtoras viram-se forçadas a apostar nos mercados estrangeiros e esta é uma tendência cada vez mais recorrente e que se deve manter em 2015.
Uma certeza, de resto, confirmada recentemente por Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário (CPCI). Segundo o responsável, desde 2000 que o setor tem vindo a incrementar a sua presença no exterior, registando-se uma “assinalável taxa de crescimento médio anual de 29,8%”.
Apesar de ser o caminho mais natural tendo em conta os exageros do passado, não é de todo aceitável que pessoas de responsabilidade passem a vida a apontar a internacionalização como a única solução para a crise na construção, sem nunca esboçarem soluções para a crise “dentro de portas”. As mesmas pessoas que foram parte do problema não querem ser parte da solução, e aconselhar as empresas a seguir a internacionalização é o caminho mais fácil, do mesmo modo que aconselhar os jovens que não tenham emprego a emigrar, já que o país é incapaz de lhes oferecer soluções válidas.
Devido a todos os factores que enunciei ao longo deste artigo, esse rumo é inevitável, e o setor da construção precisa de se consciencializar que os tempos de esbanjamento não voltarão tão cedo. Porém, tudo isto não constituí um impedimento para que sejam tomadas medidas que reduzam o impacto do colapso desta indústria (por exemplo, redução do IVA nas reparações de habitações que neste momento se encontram num extremo grau de degradação no nosso país). E é nesta falta de apoio que Portugal está a falhar.

Luís Monteiro Silva

Fontes:
http://www.pordata.pt/

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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