terça-feira, 7 de outubro de 2014

Um enfermeiro voava, voava…

Portugal de 2013 é um país a esvaziar-se… Com 128 108 emigrantes, a população portuguesa voltou a descer pelo terceiro ano seguido e o saldo migratório negativo foi um dos principais contributos para esta quebra.
Um projecto europeu, que procura perceber como a crise tem afectado as migrações e a mobilidade no espaço comunitário, procedeu a um inquérito para tentar averiguar o impacto deste fenómeno na população e na economia.
Dos resultados obtidos no inquérito, destaco que 51,9%, das 3322 pessoas que responderam ao inquérito, referiram que saíram de Portugal por “não ver futuro” no seu país de origem. Dos inquiridos, 87,7% declararam possuir grau de educação de nível superior e, entre esses, 39,1% um mestrado e 9,4% um doutoramento.  
Um exemplo específico de indivíduos com grau de educação de nível superior que, na minha opinião, é chocante para o nosso país é o dos Enfermeiros que, não sendo os únicos, foram os que mais me intrigaram.
Afirmações da Ordem dos enfermeiros, confirmadas pela OCDE, expõem que, já em 2010, “Um estudo comprova que há falta de enfermeiros em Portugal e a inversão desta situação poderia contribuir decisivamente para melhorar os indicadores de saúde em áreas como a diabetes, obesidade, baixo peso à nascença e Saúde Mental”. 
Até aqui, parecem boas notícias: é ótimo que sejam necessários Enfermeiros uma vez que, em Portugal, há muitos a formar-se e com uma formação que é invejada e procurada por vários países.
Contudo, com base em dados disponibilizados pela OCDE, existem cerca de 9 mil enfermeiros no desemprego, quando, em Portugal, “faltarão algo como 25 mil enfermeiros a trabalhar em hospitais e centro de saúde”.
As medidas do Governo de contenção da despesa no sector da saúde fizeram com que Portugal acabasse por cortar o dobro do que era exigido no memorando de entendimento com a troika, diz um relatório da OCDE, que refere ainda que o Governo português assumiu o compromisso de fazer “poupanças significativas” no sector da saúde em 2011 e 2012, nomeadamente através de cortes nas despesas com o pessoal, “concentração e racionalização” da oferta em centros de saúde e hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
O resultado foi: deixaram de ser pagas horas extra a um enfermeiro – pensando nos enfermeiros que trabalham nas urgências, por exemplo, que não têm hora de saída; deixou de haver diferença na remuneração de um Enfermeiro por este trabalhar ao fim-de-semana; há enfermeiros a receber salários de 2€ por hora - uma empregada doméstica recebe, em média, 5€ por hora. 
Como vamos pedir a um Enfermeiro que fique no nosso País? (Não que o nosso Governo queira, uma vez que já foi feito um apelo a que os jovens emigrassem para reduzir a taxa de desemprego).
 A pouca valorização dada a um Enfermeiro em Portugal, e não só aos generalistas, mas também aos especialistas, faz com que, desde o início do ano, se registe uma média de 11 declarações de saída do país por dia, segundo a Ordem dos Enfermeiros, que acrescenta ainda que, em 2009, o número de pedidos situou-se nos 609, tendo subido para 1.030 em 2010 e para 1.724 em 2011.
E então, como vamos dizer aos cerca de 2 300 Enfermeiros que emigraram que fazem falta no nosso País? Isto, num contexto em que se sabe que valorizam o trabalho deles em países como a Alemanha e o Reino Unido. E quando atribuem uma remuneração justa face ao trabalho realizado, sabido que são dos profissionais mais respeitados?
Não vamos! E entretanto continuamos a investir na sua boa formação para que outros países possam usufruir dela.
E os Enfermeiros continuam a voar…

Maria Alexandra Pereira Lima

Referências:
Fontes/Entidades: INE, PORDATA
Última actualização: 2014-10-02
(1998) As Migrações dos Quadros Altamente Qualificados em Portugal – Fluxos
Migratórios Inter-Regionais e Internacionais e Mobilidade Intra-Organizacional, Dissertação de doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações, Lisboa, Instituto Superior de Economia e Gestão / Universidade Técnica de Lisboa, 1998.
http://www.oecd.org/portugal/

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]  

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