sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Os negócios paralelos dos Jogos: uma realidade oculta

Os Jogos Olímpicos são mundialmente considerados como o mais importante evento desportivo da atualidade, juntando, a cada quatro anos, milhares de atletas de todo o globo e arrastando milhões de espetadores à sua cidade-sede. Considerada a grande dimensão do evento, a organização dos Jogos vem constituir obra demorada e extremamente dispendiosa. Não obstante, cada edição conta invariavelmente com uma multiplicidade de candidaturas de cidades dispostas a investirem em árduos projetos de habilitação à receção dos Jogos. Entre os retornos da eleição para a cidade-sede destaca-se a oportunidade de converter a cidade organizadora numa metrópole conhecida e admirada, estabelecendo um novo posicionamento da cidade na rede global, recebendo maiores fluxos de pessoas e capitais. Os Jogos Olímpicos organizados por Barcelona, em 1992 constituem exemplo perfeito do bom aproveitamento do impulso económico gerado pelo evento, que foi utilizado na superação da estagnação de que era vítima a cidade nos anos 80, bem como na modernização de Barcelona, que mais facilmente se tornou uma cidade cosmopolita moderna, segundo os padrões contemporâneos de desenvolvimento urbano da época. Lamentavelmente, este exemplo não é regra.
A 2 de Outubro de 2009 é escolhida a cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, uma vitória para o país que já iria receber em 2014 o Campeonato Mundial de Futebol da FIFA. A receção destes eventos de alta notoriedade internacional era então idealizada como o expoente perfeito a ser aplicado à então elevada taxa de crescimento do Brasil.
Eis que, aos poucos, a taxa de crescimento começa a reduzir-se, o país começa a sentir uma instabilidade política cada vez mais debilitante e as contas finais do Mundial deixam a desejar, tendo sido gastos pelo Brasil $12 biliões na criação de condições para a realização desse mesmo mundial.
Em 2015, a situação brasileira piora. Um colapso económico torna inegável a insustentabilidade dos grandes investimentos que o Brasil fizera em âmbito do Mundial e que ainda teria de acabar para a receção da 31ª edição dos Jogos Olímpicos da era moderna. No total, foram investidos cerca de $15 biliões, dos quais $7.1 biliões constituíram investimentos em infraestrutura e $895 milhões em segurança.
Foram removidas, desde 2009, cerca de 77000 pessoas das suas casas, com intuito de libertar terreno para espaços públicos, como parques e museus, e para a criação de imobiliário de luxo e infraestruturas desportivas. Os restantes milhão e meio de brasileiros que habitam as mais de 1000 favelas do Rio de Janeiro não precisou de ser removido, foi meramente escondido. Foi direcionado o investimento estatal para a alteração da rede de transportes públicos, com a criação de novas linhas e modernização dos meios de transporte a ser levada a cabo ao mesmo tempo em que foram dificultados, senão praticamente impossibilitados, os acessos às zonas norte e oeste do Rio de Janeiro, as zonas mais pobres da cidade. Foram extintas 11 rotas de autocarro que faziam ligação entre a zona norte e a zona sul, a zona rica onde foram realizados os Jogos, orientada para o turismo.  A estrada que liga o aeroporto do Galeão à zona sul, passando pelo Bairro da Maré, contou com a instalação de uma barreira visual que impede a visualização das favelas do Bairro, com a exceção de uma extensão da barreira que é transparente e permite a apreciação de uma nova escola pública inaugurada poucos meses antes do começo dos Jogos.
Não há dúvida de que haverá retornos positivos dos investimentos feitos pelo governo brasileiro para os Jogos Olímpicos, entre eles o rejuvenescimento urbano, a melhoria da rede de transporte público e a criação de novos espaços públicos. Não há dúvida de que destes retornos não beneficiarão aqueles que foram empurrados para trás de muros, escondidos da vista do público, que não vivem em condomínios de luxo com saída para as praias de Ipanema e Copacabana, mas que representam uma realidade do Rio tão viva como esses quilómetros de areia branca.

João Pedro Martins Freitas

Fonte:

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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