domingo, 17 de novembro de 2013

O desastre das PPP nas Ex-SCUT

Uma parceria público-privada define-se como “contrato ou união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante o parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade que atenda à satisfação de uma necessidade coletiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado” (Artigo 2º, DL 86/2003).
Como em outros países, em Portugal o Estado tem de passar a assumir um papel mais regulador do que produtor e distribuidor, concentrando-se nas funções principais e que não podem ser delegadas, e deixando a iniciativa privada cuidar de projetos de infraestruturas, beneficiando o setor público com as economias de escala, a eficiência e flexibilidade de organização, uma oportunidade de reanimar a economia, abrindo mercados até aí exclusivos do setor público, melhorando a qualidade dos serviços e elevando os níveis de eficiência na utilização dos recursos públicos. Com isto, foi implementado, a partir de 1997, o programa de PPP, que possibilitou o rápido desenvolvimento de uma rede de rodovias de alta qualidade, que até 2006 representou a duplicação de toda a extensão da malha de autoestradas concebidas num período de 10 anos: foram criadas as SCUTS, autoestradas “Sem Custo para os Utilizadores”. Neste caso, o parceiro público é o Estado português, e o parceiro privado é a Empresa Estradas de Portugal (EP).
A construção das SCUT possibilitou uma maior mobilidade dentro do país, uma diminuição da duração das viagens feitas, reduzindo o isolamento das regiões interiores e, não tendo portagens, os utilizadores têm a possibilidade de circular por um menor custo. Esta PPP foi, portanto, benéfica para o interesse geral dos portugueses. No entanto, as condições contratuais não se podem considerar tão vantajosas para o Estado. A EP seria responsável pela construção, exploração, manutenção, gestão, renovação e financiamento das autoestradas. Em contrapartida, tornar-se-ia concessionária destas infraestruturas. Até aqui, o Estado mantem uma posição favorável. Contudo, é obrigado a pagar uma renda anual convencionada pelas partes e, no caso do custo da construção das estradas ser superior ao lucro, este tem a obrigação de pagar a diferença à EP.
A questão custo/lucro referida assenta em suposições irrealistas: por exemplo, as partes estipulam que numa determinada estrada passaram trinta mil veículos por mês; se só passarem dez mil, o Estado tem de pagar o défice de tráfego à concessionária. Este fica portanto responsável por todo e qualquer prejuízo futuro após a construção, enquanto a EP apenas paga os custos iniciais da construção e alguma manutenção que possa vir a ser necessária. Esta situação leva facilmente o Estado a endividar-se, concluindo-se que nesta PPP a verdadeira vantagem que se obtém é a satisfação de uma necessidade coletiva, ficando assegurado o interesse geral e o bem comum dos portugueses.
As SCUT tornaram-se assim uma realidade do passado. O princípio contribuinte-pagador foi substituído pelo princípio utilizador-pagador. Esta “injustiça contratual” é uma das principais causas para essa extinção, pois leva o Estado a criar dívidas para com o parceiro privado. Vivemos num período de crise económica e de cortes orçamentais, o que leva o Estado a não conseguir suportar os custos desta PPP sozinho. Os utilizadores das autoestradas passaram, por isso, a ter de pagar portagens. Mas o Estado também não está, de forma alguma, isento de culpa. No relatório da comissão de inquérito às parcerias público-privadas (PPP), entregue em Junho de 2013 no Parlamento, surgem as mais duras acusações aos responsáveis políticos, especialmente no que respeita às renegociações ocorridas em 2010. “A comissão considera inaceitável que o Governo à época tenha assumido crescimentos elevados de tráfego que não eram de todo previsíveis” e que, não se concretizando, obrigaram à compensação financeira dos concessionários.
Perante este quadro de circunstâncias, a satisfação coletiva é bastante menor. Apesar dos percursos construídos continuarem a existir, o seu custo é muito elevado, levando muitas pessoas a escolher um caminho mais longo mas mais barato. Segundo o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), as ex-SCUT entraram no Verão a perder mais de 6.700 viaturas por dia. As sete antigas concessões Sem Custos para o Utilizador registaram no total uma quebra superior a 6.700 viaturas no Tráfego Médio Diário (TMD) no segundo trimestre deste ano. No primeiro trimestre de 2013, comparado com igual período de 2012, essas quebras tinham rondado as 10 mil viaturas por dia. Em termos médios, nas sete ex-SCUT e nos três meses agora analisados, a quebra no TMD rondou os 8%, segundo cálculos com base no relatório de tráfego na Rede Nacional de Autoestradas (RNA). No segundo trimestre de 2012, estas vias foram utilizadas todos os dias por 87.806 viaturas, número que entre Abril e Junho de 2013 caiu para 81.030.
Para além de continuarmos a pagar este investimento direta e indiretamente, as portagens prejudicam também o desenvolvimento de economias regionais que haviam entrado em crescimento. O Presidente da Câmara Municipal de Esposende (atravessado pela A28) desafiou o Governo a suspender o pagamento das portagens, alegando estar a ter um grande impacto no turismo e, consequentemente, na restauração e hotelaria, para além de representar uma barreira ao aumento da população, estratégia do município que foi “assassinada”.
É de lamentar, para além do dinheiro que já gastámos inutilmente, o dinheiro que ainda temos de gastar, pois a dívida com as EP ainda não foi liquidada! As PPP vão representar um encargo no próximo ano superior a 1.600 milhões de euros. Na previsão de encargos constante na proposta de Orçamento do Estado para 2014, o Governo estima um custo de 1.645 milhões de euros, sendo 1.166 milhões com a rodovia. 
A essas autoestradas que outrora chamaram de SCUT, deviam agora chamar CECUT: Com Elevados Custos para o Utilizador…

Teresa Filipa Pereira de Sousa

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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