Na semana em que os
países entregaram as propostas de Orçamento de Estado para 2019 à Comissão
Europeia, esta tomou uma decisão inédita ao rejeitar pela primeira vez uma
proposta orçamental, neste caso a de Itália. Foi em 2013, devido à crise das
dívidas soberanas, que o órgão executivo da UE ganhou o direito de exigir a um estado
membro da zona Euro a reformulação do orçamento. O Pacto de Estabilidade e
Crescimento exige certos requisitos, por exemplo, o défice estrutural não deve
superar 0,5% do PIB e 1% do PIB nos países com uma dívida até 60% do PIB e o
défice deve estar abaixo dos 3% do PIB.
O que levou a CE a
chumbar a proposta de Itália, uma economia muito industrializada e um dos
principais motores da Europa? A coligação antissistema italiana planeou um
orçamento expansionista, que assenta num plano de investimentos públicos em
infraestruturas e no consumo interno, e que cuja intenção é apoiar as classes
mais desfavorecidas, alocando, assim, 37 mil milhões de euros para despesas
extras e uma redução de impostos. Este orçamento conta com um défice de 2,4%,
que contrasta com os 0,8% prometidos pelo anterior executivo, contudo, são
outros três indicadores económicos que suscitam mais apreensão em Bruxelas: o
défice estrutural, o rácio da dívida pública e o crescimento económico.
O governo eurocético
sublinha ser necessária uma expansão económica, de forma a promover um aumento
no crescimento económico (1,5% em 2019), e consequentemente diminuir a dívida
pública (de 130,9% para 130% em 2019). Apesar de se antecipar um agravamento no
curto prazo do défice estrutural, em 2019 e 2020 prevê-se uma melhoria e, além
disso, as medidas que propiciam o crescimento vão compensar a deterioração do
saldo estrutural, resultando na descida do endividamento público.
O braço de ferro entre
Bruxelas e Roma já está a provocar efeitos. Os investidores estão a desfazer-se
de ativos italianos, os juros da dívida subiram vertiginosamente, aproximando-se
dos da Grécia, e as principais bolsas estão a cair, prejudicando principalmente
as ações das empresas cotadas. Se as vendas em torno dos ativos italianos
persistirem, então, há um potencial contágio na zona euro porque há ainda bastante
dívida italiana nas mãos de bancos estrangeiros. Segundo os dados do Banco de
Portugal, Itália é o país estrangeiro a que os bancos portugueses estão mais
expostos em termos de dívida pública (cerca de 1,6% do ativo total da banca).
Itália é uma economia muito
sólida, a terceira economia do euro e uma das maiores do mundo, mas a sua
dívida é a segunda mais alta da Europa. Se acontecesse uma insolvência num país
com esta dimensão, os efeitos seriam avassaladores porque, apesar da estagnação
da economia se manter há quase duas décadas, Itália é um enorme mercado de
capitais, com muita da sua dívida nas mãos da banca. Por tudo isto, Itália não
é um país que possa ser resgatado como foram Portugal, a Grécia ou a Irlanda, é
virtualmente impossível. Por exemplo, um resgate italiano a três anos, na linha
do que Portugal teve, poderia custar cerca de um bilião de euros, e o mais
assustador é que não se sabe onde a Europa iria buscar essa quantia, mesmo com
o auxílio do FMI.
A meu ver, se existem
regras impostas de igual forma a todos os países, estes devem cumpri-las de
modo a preservar a paz e integridade da zona euro. A Comissão tem o dever de
proteger o interesse coletivo de todos os membros, não devendo abrir exceções pois
é um caminho sem volta. Neste caso em especial, porque o governo italiano
estava consciente que as metas propostas representavam um desvio evidente do
PEC, “só” não se esforçou em respeitá-las por motivos políticos, para ganhar
popularidade junto dos eleitores e contrariar a União Europeia. Esta situação
acordou o fantasma da saída de um país do euro ou da UE, numa altura que se
avizinha a saída caótica do Reino Unido. É inegável que se necessita da Itália,
mas esta está ainda mais dependente e a carecer de ajuda, porque além de ter
uma dívida pública monumental e precisar de recorrer a crédito externo para
financiar o serviço dessa dívida (juros e amortizações) durante muitos anos, uma
saída do euro ou da UE levaria à miséria milhões de italianos e de empresas.
No meu ponto de vista, o
maior medo de Itália é continuar com a economia estagnada, daí o governo ter
apostado em défices altos para promover o crescimento económico, mas, pela
lógica, esta estratégia pode ter o efeito oposto, porque um défice orçamental
elevado não traz crescimento e uma dívida pública excessiva torna a economia
mais vulnerável a futuras crises. Além disso, se Portugal demonstrou a tudo e
todos que é possível virar a página da austeridade e cumprir as regras de forma
a participar ativamente na Zona Euro, Itália deveria respeitá-las e chegar a
acordo o quanto antes com a CE.
Jéssica
Eiriz
[artigo de opinião escrito no âmbito da Unidade Curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano (1º ciclo) do curso de Economia da EEG/Universidade do Minho]
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