sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O futuro do sonho europeu

Com as negociações do Brexit na ordem do dia a seguinte questão surgiu: o que faria John Keynes?
Após a leitura de um artigo no The Economist, pude constatar que para Keynes era fundamental “... conseguir o melhor acordo possível, mesmo em circunstâncias desfavoráveis”, dando este três conselhos aos negociadores britânicos. Desses, o primeiro sugere que os mesmos deveriam “simpatizar” com os interesses da parte contrária pois, segundo Keynes, ninguém aceitaria facilmente os resultados de umas negociações com simpatia e compreensão a não ser que ambas as partes conseguissem compreender os motivos e propósitos que as levaram às negociações, sendo que os Britânicos têm que ter em mente que o objetivo de Bruxelas é a preservação do projeto Europeu e que qualquer leveza nas negociações poderá ser pretexto para que outros países sigam o mesmo exemplo dos Britânicos.
Apesar do “braço de ferro” e da pouca flexibilidade do leave, podemos dizer que as negociações estão no bom caminho, uma vez que dos doze pilares, sete estão encerrados. Contudo, um dos pilares mais problemáticos é o comércio. Deixando a Inglaterra o single market, há um ataque direto ao comércio livre de bens e pessoas, logo a liberdade de movimento torna-se inexistente. Uma das soluções encontradas pelos ingleses para o controlo das fronteiras passa pela restrição da entrada de trabalhadores menos qualificados, limitando a sua residência por dois anos, e sendo mais benevolente com trabalhadores mais qualificados. Contudo e como Thomas Sampson professor e investigador na The London School of Economics and Political Science, mencionou no seu paper “Four Principles for the UK’s Brexit trade negotiations”, o Reino Unido encontra-se numa situação mais complicada do que a União Europeia uma vez que tem mais a perder. Com um prazo de dois anos para as negociações, é a UE que beneficia do atraso das mesmas, ganhando assim mais espaço para pressionar os ingleses.
Em segundo lugar, os negociadores deveriam evitar usar as contribuições passadas dos britânicos à EU, tentando ao mesmo tempo não expor as suas fraquezas, devendo então pensar só e apenas no futuro, mostrando o seu valor não só como um aliado político mas também como um trading partner. Neste ponto, podemos relembrar um dos maiores pilares da campanha a favor do leave: a contribuição que a Inglaterra dava para a UE. Segundo o leave, saiam dos cofres Britânicos 350 milhões de libras por semana que poderiam ser investidos no NHS (serviço nacional de saúde inglês). Porém, segundo um artigo do Office of National Statistics Britânico, as contribuições em bruto para a UE em 2016 chegavam apenas aos 18,9 mil milhões de libras, sendo que esse valor nunca chegava a ser o final, havendo ainda um reembolso de 5,0 mil milhões de libras. Dos 13,0 mil milhões, 4,4 foram usados de novo pelo governo britânico em forma de fundos para o setor publico. Logo, a contribuição final ronda os 180 mil milhões por semana, valor muito inferior ao apresentado pelo leave.
   Finalmente, o Reino Unido deve mostrar-se como um trading partner desejável, evitando criar barreiras comerciais que prejudicam não só os Britânicos como os restantes países da União Europeia. Entretanto, esta não parece ser a maior preocupação do povo inglês, já que existe considerável interesse da China para a criação de um acordo comercial entre os 2 países, tendo ocorrido já algumas conversações. Contudo, qualquer avanço só poderá ser concretizado após a saída da Inglaterra da UE.
Por outro lado, temos empresas como a Unilever, que pretendem mover a sua sede do Reino Unido para a Holanda, apesar da insatisfação dos acionistas britânicos e da negação de que qualquer mudança está relacionada com o Brexit. Porém, qual seria a outra razão mais lógica para uma empresa com a dimensão da Unilever querer abandonar uma das maiores economias? O mais lógico, do meu ponto de vista, é um receio de instabilidade económica e política futura.   
Para Keynes, o nosso poder para prever é tão reduzido que não é inteligente da nossa parte sacrificar o presente por uma vantagem duvidosa no futuro. Será a jogada inglesa a mais inteligente do ponto de vista económico? Só a longo prazo poderemos saber. Porém, podemos aligeirar as coisas e pensar como Keynes: “A longo prazo estamos todos mortos.”

Mariana Teixeira Pereira Alves

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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