quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Há cada vez mais gente em Lisboa e cada vez menos lisboetas

    Lisboa e os bairros populares estão cada vez mais a ganhar terreno como destino turístico de preferência. Em simultâneo, o seu mercado imobiliário adquire formatos de ativo financeiro e atrai a procura e o investimento estrangeiro. Mas quais são as implicações destas mudanças na vida de Lisboa e dos lisboetas?
    Os programas governamentais e a alteração na política urbana captaram o interesse de uma elite estrangeira e favoreceram o investimento no imobiliário e na reestruturação urbana de Lisboa. Assiste-se assim a uma gentrificação turística da capital portuguesa, isto é, há uma alteração na dinâmica do centro histórico da cidade e dos seus bairros populares, que se transformaram em locais focados no consumo e no turismo, preocupando-se com a criação de mais espaços recreativos e de lazer. Aumentou também o interesse em criar mais alojamentos turísticos ou de arrendamento de curta duração que, gradualmente, começam a substituir as habitações de uso permanente ou de arrendamento de longa duração. Consequentemente, agravam-se tendências de desalojamento e segregação residencial, sendo que a reabilitação dos prédios desocupados nestas áreas levou ao aumento exponencial de rendas, implicando a expulsão de moradores mais vulneráveis e o encerramento de comércio histórico, ou seja, levou a um desalojamento residencial e comercial. Os bairristas, que fazem parte da essência da cidade e uma das razões do interesse internacional, estão a sair e a população de baixo estatuto socioeconómico não consegue aceder à habitação nestas áreas. Isto coloca em risco a sustentabilidade social da cidade, que ao perder estes aspetos sociais e económicos perde também parte da sua identidade, memória e autenticidade.
   Por outro lado, o boom no turismo levou à criação de novos negócios em Lisboa, nomeadamente ao nível do arrendamento de quartos, um mercado para o qual muitos jovens portugueses se lançaram, dando assim os primeiros passos no mercado trabalho, mesmo que não seja através de empregos diretos ou com rendimentos acima da média. O turismo levou ainda à regeneração e preservação do património, com a reabilitação de edifícios degradados, e a criação de emprego, numa altura em que a taxa de desemprego portuguesa assumia valores preocupantes. Contudo, a ausência aparente de planeamento e de processos de regulação pode ter consequências nefastas.
   Um dos impulsionadores da expansão do turismo em Lisboa foi a popularização de plataformas online, como a Airbnb ou Booking.com, que não só fornecem um leque de escolhas diverso como também mostram os preços acessíveis. Deste modo, estabelecimentos como o Alojamento Local em bairros como a Mouraria ou Alfama tornaram-se mais populares, com turistas a procurarem experiências urbanas autênticas e uma alternativa à oferta hoteleira convencional. Estes estabelecimentos surgem no mercado como apartamentos individuais ou ocupando edifícios inteiros, com este último a representar 75% do mercado lisboeta, e geridos por profissionais ou pelos seus proprietários, auxiliados por plataformas, como a já referida Airbnb. Porém, este micromercado está a criar tensões no mercado imobiliário, com as rendas a aumentarem entre 13% e 36%, entre 2012 e 2017, e os preços de aquisição subiram até 46%, variando de acordo com a zona da cidade. Estima-se que tal exija que entre 40% e 60% do rendimento familiar seja dedicado à habitação, levando a que muitas famílias sejam obrigadas a abandonar estas áreas. Desde 2013, a freguesia de Santa Maria Maior, de que fazem parte Alfama, Chiado, Castelo, Mouraria e Baixa, perdeu quase 2000 habitantes, com várias associações a defenderem que existem centenas de desalojados, o que é significativo, tratando-se de populações vulneráveis e em risco social.    
   Em suma, nos últimos anos, o mundo começou a olhar para este paraíso à beira mar como um destino atrativo e muito desejado, não só para férias, mas para habitação. No entanto, se por um lado motivou a economia e criou o estímulo que era necessário para iniciar o processo de recuperação depois da crise, tornou a aquisição de uma habitação nos bairros que conferem autenticidade a Lisboa um sonho inatingível para muitos lisboetas, uma vez que os preços, tanto de aquisição como de arrendamento, aumentaram exponencialmente. Há cada vez mais ingleses, franceses e italianos e cada vez menos lisboetas em Lisboa, sendo necessário criar políticas de regulamentação e fiscalização para contrariar estas tendências de substituição, pois caso tal se mantenha Lisboa perderá a sua essência e muito do que a torna tão atrativa.

Mariana Monteiro da Silva

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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