quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A poupança das famílias portuguesas: um beco sem saída?

Em semana comemorativa do dia mundial da poupança (31 de Outubro), nada melhor do que analisar como andam as poupanças das famílias portuguesas.
Com todos os problemas que o país tem atravessado, é fácil de antever que as poupanças das famílias portuguesas já tiveram dias melhores. Podemos comprovar esta afirmação através da análise do primeiro trimestre do presente ano, no qual observamos algo nunca visto na economia portuguesa: a poupança das famílias foi negativa no primeiro trimestre de 2016, um caso inédito, quer nas novas contas nacionais do Instituto Nacional de Estatística (INE), que recuam até ao primeiro trimestre de 1999, quer nas séries longas do Banco de Portugal (BP), que recuam até 1977.
Os portugueses estão a poupar cada vez menos. A tendência de queda começou com a entrada no euro e só foi interrompida nos anos de crise.
Portugal chegou ao final de 2015 com uma taxa de poupança a rondar os 4,2% do rendimento disponível, o que corresponde a um mínimo histórico. Este valor é três vezes inferior à média da zona euro (12,5%) e traduz uma queda acentuada face aos 11,4% registados em 1999. Traduzindo em valores, isto significa que no início do euro os portugueses pouparam cerca de 9,7 mil milhões de euros e que no ano passado o valor guardado rondou os 5 mil milhões de euros.
Podemos observar então que, de forma geral, a entrada no euro fez cair de forma mais acentuada a poupança dos portugueses do que a de outros povos parceiros da moeda única. Este facto leva-nos a perguntar o porquê disto ter acontecido. O acesso mais fácil a crédito a preços mais baixos e taxas de juro mais constantes podem ser a resposta. Esta situação acarretou uma subida do nível de endividamento, o que também viria a ter repercussões na capacidade de poupar.
A queda no nível de poupança conheceu, como já referi anteriormente, um breve intervalo em 2011 e 2012, quando a crise se agudizou e Portugal se viu obrigado a pedir ajuda financeira. O aperto no acesso ao crédito que então se verificou e o pessimismo nas expectativas (em termos de emprego e de rendimento) levou as famílias a travar a fundo no consumo e a adiar intenções de compra.
Afinal, a preocupação para fazer face a problemas no futuro é o principal motivo para as famílias pouparem e é transversal aos mais ricos e aos mais pobres. Este pessimismo começou a desvanecer-se em 2013, o que ajuda a explicar a forte subida no consumo de bens duradouros que se verificou na reta final de 2014 e ainda em 2015.
Será que estamos, então, perante um beco sem saída?
Se olharmos para o atual contexto de taxas de juro muito baixas, podemos dizer que sim, uma vez que este facto não ajudará a incentivar a poupança e isso é um problema grave para o nosso pequeno país.
Mas este problema ganhou uma nova dimensão. Isto porque se olharmos para os dados relativos ao primeiro trimestre de 2016 vemos que, de acordo com as estatísticas do INE, a questão já não está no facto dos portugueses pouparem cada vez menos, muito pouco quando comparados com os parceiros do euro. A questão agora é que a poupança não só desapareceu como é negativa, uma vez que as despesas de consumo final das famílias e das instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias excederam, pela primeira vez, o chamado rendimento disponível para gastar ou poupar. E isto sim é um motivo de grande preocupação para a economia portuguesa, aflita em financiar o investimento e em garantir a sustentabilidade da dívida.

Rita de Fátima da Silva Pereira

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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