domingo, 27 de novembro de 2016

Descaracterização da identidade televisiva portuguesa

A televisão portuguesa, para além de possuir poucos canais em sinal aberto, a qualidade geral foi tomada pela cultura lúmpen dos “reality shows”, o que faz com que aumente e consolide valores e práticas sociais e culturais retrógradas e primárias.
Décadas atrás, a televisão era descrita como iconografia nacional, onde ou procurava responder à enorme responsabilidade que lhe cabia por inerência da posição que ocupava no pequeno universo dos media nacionais, ou corria o risco de se tornar no principal meio de negação da identidade nacional. Ora, o descalabro aconteceu. Sendo assim, será que podemos falar que ainda existe identidade nacional? Será que os canais portugueses preferem ter um maior número de audiências independentemente de colocar ou não a identidade portuguesa no lixo?
De acordo com a legislação da televisão, os operadores têm de emitir “uma programação que contribua para a formação e informação do público e para a promoção da língua e cultura portuguesas”. O facto é que isso não está a acontecer e os operadores de televisão não só não estão a cumprir os objetivos da legislação e os respetivos cadernos de encargos, como estão a contribuir para a sua degradação e eventual negação.
Se dermos uma vista de olhos nos históricos de transmissão da televisão portuguesa nos últimos anos, chegamos à conclusão que a qualidade geral da televisão foi tomada pela cultura lúmpen dos “reality shows” que amplifica e consolida valores, crenças e práticas sociais e culturais retrógradas e primárias. Verifica-se nos dias de hoje uma falta promovedora de formação cívica, de ascensão cultural e social através de entretenimento e informação de qualidade, com um aumento da superficialidade, do amadorismo e da ausência de bom gosto (ética e estética). Tudo isto faz com que degrade e impossibilite todas as tentativas de alguns jornalistas, produtores, realizadores, autores, comentadores e outros colaboradores de contribuir para melhorar e atualizar a identidade nacional, uma vez que a construção cultural depende da história, dos valores, das crenças e dos costumes. E por falar em identidade nacional, a personalidade e identidade de um individuo provém de três elementos: da família, da escola e da televisão.
Semana após semana, a televisão portuguesa aumenta a sua falta generalizada de qualidade. Logo pela manha, ao ligarmos a televisão em um dos canais, estamos perante um programa de uma cartomante qualificada para ajudar a resolver todo o tipo de problemas. Ou seja, existe uma mulher, logo pela manhã, a “ler” o futuro dos espetadores nas cartas, a pedido de espetadores vulneráveis e que anseiam uma resposta, “vinda das cartas”. Mas será que isto está de acordo e respeita dignidade de uma pessoa humana e os demais direitos fundamentais, com proteção, em especial, dos públicos mais vulneráveis, nomeadamente crianças e jovens, cabendo-lhes garantir o rigor, a objetividade e a independência da informação?
Mas isto não se fica por aqui. Existem programas de televisão que, por um lado, até são culturais e mostram a cultura de várias regiões do país, mas, na maior parte do tempo, estão a solicitar aos telespetadores que liguem para um determinado número de forma a ganharem um prémio relativamente estimulante. Apesar disto, o pior mesmo são os reality shows, onde pessoas estão numa casa a viver juntas a fim de ganharem dinheiro. Por vezes, até situações de pornografia são transmitidos neste tipo de programas, pondo em causa a suscetibilidade de menores.
Assim conseguimos perceber que, atualmente, a televisão portuguesa não tem nada a ver com a televisão portuguesa de há uns anos. É necessário que respeitem a dignidade do ser humano e os direitos fundamentais dos cidadãos, com o direito de acesso a conteúdos nacionais, de entretenimento e de informação, e tudo isto com qualidade, de acordo com padrões de bom gosto, ética e estética. Pois a nação portuguesa e o Estado é que estão na guilhotina.

Pedro Diogo Mendes Penetro

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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