sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Baixos salários/crise económica ou crise de valores?

      Neste artigo pretendo fazer uma reflexão crítica acerca dos baixos salários praticados em Portugal e nos países mais desenvolvidos, sendo justificados com as condições atuais da Economia. Com esta dissertação procuro, ainda, relacionar a questão dos baixos salários com a propalada crise económica e ainda desta com a possível crise de valores ético-políticos que enfermam as sociedades hodiernas e economicamente mais desenvolvidas.
         Começo por apresentar a noção de crise do seguinte modo: “Uma crise é uma mudança brusca ou uma alteração importante no desenvolvimento de um qualquer evento/acontecimento. Essas alterações podem ser físicas ou simbólicas. Crise também é uma situação complicada ou de escassez”. Sendo assim, a crise económica, tão badalada nos nossos dias, corresponde a alteração importante no desenvolvimento socioeconómico ou a uma situação complicada ou de escassez monetária?
Parece-me muito mais a primeira hipótese, pois, nada me sugere que estejamos perante uma perda de valores meramente monetários. Mais, julgo não cometer nenhuma insensatez se afirmar que nunca como hoje houve tanto dinheiro à disposição do homem. Se, como penso, nunca como na atualidade houve tanto valor monetário disponível como é que assistimos à necessidade de constantemente baixarmos os salários? Como é que o tecido empresarial, acolitado pelo poder político pretende assim justificar a necessidade de baixar salários e concomitantemente aumentar o número de horas da jornada de trabalho, bem como oferecer empregos cada vez mais precários?   Como é que em sociedades ditas desenvolvidas se fala, continuamente, em milhares de milhões e conjuntamente se procura a exploração de mão-de-obra barata? É evidente que tudo isto, parece-me contraditoriamente absurdo, à luz de uma valoração estritamente monetário-material. Daí pensar que esta apregoada crise não é, meramente, uma crise de falta de dinheiro, mas sim uma crise do que “fazer” com esse mesmo dinheiro.
         Por este facto, julgo que a crise económica é muito mais que uma crise monetária, ou uma carência do valor económico, daí afirmar no início deste texto que assistimos neste momento a uma fase acelerada de alterações das condições de vida das populações, assentes num ideário político/económico que nada de bom augura para a dignificação da pessoa humana. E digo nada de bom pois parece-me indigno e abusivo que à luz de uma suposta carência económica se explore seres humanos e, apar desta exploração, se assista à construção de verdadeiros impérios económicos por parte de um grupo minoritário de indivíduos sem escrúpulos e que, devidamente protegidos pelo poder político, amealham riquezas infindáveis.
Este facto assenta ainda na crescente promiscuidade entre o poder político e o poder económico, pois estamos numa fase em que quase não conseguimos distinguir onde começa um e termina o outro, e vice-versa. Apetece-me aqui citar aquilo que o grande filósofo grego da antiguidade, Aristóteles, afirmou quando disse que o poder político devia regular e sobrepor-se ao poder económico, pois na sua opinião quando o poder económico se sobrepõe ao poder politico o Homem cai na degradação da sua vida social, e a felicidade, que tanto o Homem procura só é possível de encontrar numa sociedade justa.
Apoiado nesta ambição desmedida de acumulação de riquezas de uma forma indigna e indiscriminada, na minha visão, a verdadeira crise das nossas sociedades é muito mais uma crise de valores do que uma crise económica. Deste modo, sustento que a situação económica do mundo desenvolvido é acima de tudo uma crise ético-moral, assente na ganância, na avareza e na falta de qualquer espírito de solidariedade e, acima de tudo, de subsidiariedade. E para fazer face a esta situação, aquele que deveria ser o garante do bem comum, o Estado, o que tem feito? Assiste impávido e sereno e ainda, de uma forma gravosa, serve de base de sustentação destas indignidades.
         Daí concluir que estas políticas de baixos salários apoiadas numa suposta crise económica (por muitos apelidada de sem paralelo) não passa de uma alteração valorativa, onde a perspetiva de Thomas Hobbes (matemático, teórico político e filosofo inglês do sec. XVII), acerca da natureza humana, se encontra na base de sustentação desta política neoliberal, quando afirma “homo homini lupus” (o Homem lobo do Homem).

Pedro Eduardo Gonçalves Oliveira

Fontes:
WOLFF, Francis. Aristóteles e a política. São Paulo: Discurso Editorial, 1999

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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