terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Se calhar, é Euro-pá!

“Mestre não é quem sempre ensina; mas, quem, de repente, aprende”, Guimarães Rosa.

“Aprender com a experiência dos outros é menos penoso do que aprender com a própria”, Sousa Saramago
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A crise financeira internacional que se estendeu ao longo de 2008 levantou uma questão central para a economia européia: o dólar ainda é capaz de servir como referência internacional? E em decorrência disso, haverá uma transição para o Euro no curto prazo? Quais as conseqüências dessa mudança e quais os novos desafios para a Europa?
As respostas não parecem simples, como tudo o que diz respeito a esta crise. Aliás, advirto aos leitores deste artigo que não encontrarão aqui propriamente respostas. Proponho-me a descortinar e salientar alguns pontos. Se houver críticas, tanto melhor. Como dizia o escritor brasileiro citado, o processo de ensino é também um processo de aprendizado.
Alguns economistas discutiam um fenômeno conhecido como “Descolamento” (do inglês, Decoupling). Segundo eles, a economia mundial (inclusive a dos países em desenvolvimento) estaria “descolada” da economia dos Estados Unidos e não seria afetada por uma crise naquele país. As evidências, ao contrário, mostram que há uma significativa dependência. À exceção da China e Índia, que devem crescer entre 7% a 9% no próximo ano, as economias nacionais terão crescimento baixo ou negativo, afetadas claramente pela crise na economia estadunidense.
Lá está um fato curioso nesta crise: a busca de ativos em dólares americanos, a despeito de ser a moeda do país em que a crise surgiu. De fato, ocorreu uma tendência de desvalorização das principais moedas frente ao dólar, numa clara fuga de capitais.
No curto prazo, portanto, não há uma tendência de o euro (ou outra moeda) substituir por completo o dólar como moeda de referência internacional. No entanto, os fatores que favorecem a preferência pelo dólar podem se alterar. Alguns bancos centrais já têm reservas internacionais tanto em dólares como em euros, como é o caso da Rússia, da Coréia do Sul e de alguns países do Oriente Médio.
Se acontecesse de imediato, a substituição do Dólar pelo Euro tornaria este último extremamente valorizado, o que faria com que fosse muito difícil para os países da Zona Euro exportar para fora dessa área. Ao contrário, as importações seriam atrativas e acabariam por desestimular a produção interna. Assim, a adoção do Euro como moeda de referência internacional provocaria um choque muito forte na economia européia e provocaria desequilíbrios macroeconômicos sérios.
Evidentemente, esse cenário parece ser pouco real. No lugar disso, a substituição do Dólar pelo Euro será gradual. Um lapso temporal mais prolongado permite que o Banco Central Europeu avalie com mais cautela e acuidade as variáveis determinantes da poupança, do investimento, da taxa de juros e da inflação, fundamentais para entender o crescimento econômico.
As causas da atual crise, baseadas no discurso “quase-anarquista” do Livre Mercado, deixam uma lição para as instituições do sistema financeiro internacional e, sobretudo, para a Europa: não se pode colocar o “interesse próprio” (o self-interest, de Smith) a vigiar o “interesse público”, como o lobo a vigiar o cordeiro.
Nesse sentido, o ensinamento acima do escritor português parece oportuno. A Europa tem, portanto, a responsabilidade de estabelecer uma nova forma de conduzir a regulação do sistema financeiro internacional. Através do Euro, seu braço financeiro, outras instituições seguirão. O trocadilho no título sugere que não há (ou melhor, não deveria haver) um Euro sem Europa, isto é, sem instituições que dêem mais segurança e probidade ao sistema global.

Thiago A. S. Noce
thiagonoce@yahoo.com.br

(artigo de opinião)

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