sexta-feira, 27 de abril de 2012

O DIREITO DE COMPREENDER

No quotidiano, deparamo-nos com uma série de documentos essenciais, mas que estão redigidos numa linguagem muito pouco clara. Infelizmente, a ignorância de uns acaba por ser a fortuna de outros, mesmo que em causa esteja o entendimento da lei, da bula de um medicamento, dos termos de um contrato de arrendamento, de um contrato de trabalho, da conta de electricidade ou de uma notificação da justiça.
Durante o TEDxPorto, Sandra Martins veio defender que o empobrecimento informativo da população não pode de todo conduzir a resultados positivos e apresentou alguns dados que reflectem a falta de literacia da população portuguesa. Segundo a oradora, “o problema não reside apenas no facto desses documentos serem complexos e irritantes, mas também no facto de a literacia dos portugueses, isto é, da sua capacidade de perceber os documentos escritos, ser muitíssimo baixa”. Se considerarmos a parcela da população que sabe ler e escrever, verificamos que 50% tem o nível mínimo de literacia, ou seja, são pessoas que conseguem juntar as letras para formar palavras, mas não conseguem de facto perceber o que estão a ler. Por exemplo, se uma dessas pessoas tiver de ler uma bula de um medicamento, não a irá compreender. Outros 30% são indivíduos que se desenrascam no dia-a-dia se não tiverem de ler nada muito novo ou muito diferente mas, por exemplo, se estes tiverem de ler o manual de instruções de uma máquina para conseguir trabalhar com ela, eles já não o conseguem fazer. Já 15% consegue entender os documentos, desde que não sejam muito complexos, e temos apenas 5% da população que consegue compreender verdadeiramente documentos complexos. Podemos concluir que existe uma pequena minoria de pessoas que tem de facto acesso à informação e beneficia dela, mas existe uma larguíssima maioria que não a consegue utilizar e, como tal, é excluída e prejudicada.
Quando as pessoas não compreendem a informação que lhes é transmitida isso tem consequências graves, não só para o indivíduo mas também para todo o país. Quando alguém não percebe quais são os seus direitos e os benefícios aos quais pode ter acesso, também não irá perceber as suas responsabilidades e obrigações e também não será um cidadão activo e participativo. A linguagem rebuscada que é utilizada pelos órgãos do governo, e também pela iniciativa privada, é uma ameaça constante à democracia, à transparência e à prestação de bons serviços. Se não entendermos os contratos que assinamos podemos cometer erros e tomar más decisões. Por exemplo, a crise financeira pode, em parte, ter-se dado porque quem assinou os documentos de concessão do crédito não compreendia o que estava a assinar e não se apercebeu que a partir de dado momento deixaria de ser capaz de pagar as prestações. Se houvesse no sector financeiro uma cultura de clareza talvez as coisas nunca chegassem ao que chegaram.
Sandra Martins questionou também qual a solução para “resolver os problemas resultantes destas disparidades entre a literacia dos portugueses, que é extremamente baixa, e os tais documentos públicos tão complexos”. A minha primeira proposta apresenta-se como evidente, pois se a literacia é tão reduzida, o que os órgãos competentes devem fazer é aumentar esse indicador, educando a população. No entanto, esta é uma solução difícil e sobretudo lenta. Para além disso, mesmo indivíduos com um grau de literacia elevado, quando alienados da sua área de actuação, apresentam dificuldades em compreender claramente muitos destes documentos. Assim, para além de aumentar a literacia, é muito importante, no curto prazo, criar meios para reduzir a complexidade dos documentos e simplificar a sua linguagem.
Numa tentativa falhada, o Diário da República recorreu a uma empresa que traduzia para linguagem clara o propósito fundamental de cada lei. Tal serviço foi considerado dispensável e foi vítima da austeridade. Será que a poupança valeu a pena? Talvez um dia os nossos governantes façam as contas que são realmente do interesse público e deixem de utilizar esta falta de transparência e de clareza para seu próprio benefício. 
Em suma, julgo que primeiro é necessário consciencializarmo-nos que querer compreender os tais documentos públicos não é um capricho, não é uma curiosidade intelectual, mas sim uma necessidade. É acima de tudo um direito de todos e, como tal, temos de nos tornar consumidores e cidadãos mais exigentes. Segundo, quem escreve tem de escrever para ser compreendido. A oradora referiu também uma citação bastante pertinente de Einstein: “Se não consegues escrever sobre um assunto de forma simples é porque na realidade não o compreendes”. A mentalidade civil a adoptar deve passar por exigir compreender e escrever para sermos compreendidos.

Telma Valdemar Azevedo da Silva

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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