No quotidiano, deparamo-nos com uma série de documentos essenciais,
mas que estão redigidos numa linguagem muito pouco clara. Infelizmente, a
ignorância de uns acaba por ser a fortuna de outros, mesmo que em causa esteja
o entendimento da lei, da bula de um medicamento, dos termos de um contrato de
arrendamento, de um contrato de trabalho, da conta de electricidade ou de uma
notificação da justiça.
Durante o TEDxPorto, Sandra Martins veio defender que o empobrecimento
informativo da população não pode de todo conduzir a resultados positivos e
apresentou alguns dados que reflectem a falta de literacia da população
portuguesa. Segundo a oradora, “o problema não reside apenas no facto desses
documentos serem complexos e irritantes, mas também no facto de a literacia dos
portugueses, isto é, da sua capacidade de perceber os documentos escritos, ser
muitíssimo baixa”. Se considerarmos a parcela da população que sabe ler e
escrever, verificamos que 50% tem o nível mínimo de literacia, ou seja, são
pessoas que conseguem juntar as letras para formar palavras, mas não conseguem
de facto perceber o que estão a ler. Por exemplo, se uma dessas pessoas tiver
de ler uma bula de um medicamento, não a irá compreender. Outros 30% são
indivíduos que se desenrascam no dia-a-dia se não tiverem de ler nada muito
novo ou muito diferente mas, por exemplo, se estes tiverem de ler o manual de
instruções de uma máquina para conseguir trabalhar com ela, eles já não o
conseguem fazer. Já 15% consegue entender os documentos, desde que não sejam
muito complexos, e temos apenas 5% da população que consegue compreender
verdadeiramente documentos complexos. Podemos concluir que existe uma pequena
minoria de pessoas que tem de facto acesso à informação e beneficia dela, mas
existe uma larguíssima maioria que não a consegue utilizar e, como tal, é
excluída e prejudicada.
Quando as pessoas não compreendem a informação que lhes é transmitida
isso tem consequências graves, não só para o indivíduo mas também para todo o
país. Quando alguém não percebe quais são os seus direitos e os benefícios aos
quais pode ter acesso, também não irá perceber as suas responsabilidades e
obrigações e também não será um cidadão activo e participativo. A linguagem
rebuscada que é utilizada pelos órgãos do governo, e também pela iniciativa
privada, é uma ameaça constante à democracia, à transparência e à prestação de
bons serviços. Se não entendermos os contratos que assinamos podemos cometer
erros e tomar más decisões. Por exemplo, a crise financeira pode, em parte,
ter-se dado porque quem assinou os documentos de concessão do crédito não
compreendia o que estava a assinar e não se apercebeu que a partir de dado
momento deixaria de ser capaz de pagar as prestações. Se houvesse no sector
financeiro uma cultura de clareza talvez as coisas nunca chegassem ao que
chegaram.
Sandra Martins questionou também qual a solução para “resolver os
problemas resultantes destas disparidades entre a literacia dos portugueses,
que é extremamente baixa, e os tais documentos públicos tão complexos”. A minha
primeira proposta apresenta-se como evidente, pois se a literacia é tão
reduzida, o que os órgãos competentes devem fazer é aumentar esse indicador,
educando a população. No entanto, esta é uma solução difícil e sobretudo lenta.
Para além disso, mesmo indivíduos com um grau de literacia elevado, quando alienados
da sua área de actuação, apresentam dificuldades em compreender claramente
muitos destes documentos. Assim, para além de aumentar a literacia, é muito
importante, no curto prazo, criar meios para reduzir a complexidade dos
documentos e simplificar a sua linguagem.
Numa tentativa falhada, o Diário da República recorreu a uma empresa
que traduzia para linguagem clara o propósito fundamental de cada lei. Tal
serviço foi considerado dispensável e foi vítima da austeridade. Será que a
poupança valeu a pena? Talvez um dia os nossos governantes façam as contas que
são realmente do interesse público e deixem de utilizar esta falta de
transparência e de clareza para seu próprio benefício.
Em suma, julgo que primeiro é necessário consciencializarmo-nos que
querer compreender os tais documentos públicos não é um capricho, não é uma
curiosidade intelectual, mas sim uma necessidade. É acima de tudo um direito de
todos e, como tal, temos de nos tornar consumidores e cidadãos mais exigentes.
Segundo, quem escreve tem de escrever para ser compreendido. A oradora referiu
também uma citação bastante pertinente de Einstein: “Se não consegues escrever
sobre um assunto de forma simples é porque na realidade não o compreendes”. A
mentalidade civil a adoptar deve passar por exigir compreender e escrever para
sermos compreendidos.
Telma Valdemar Azevedo da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário