No século XX, o sonho americano da
vida de uma classe média inspirou o mundo. Agora, no século XXI, estamos a
caminhar, a alta velocidade para um mundo baseado numa nova geografia de
crescimento, com milhões de pessoas no este e no sul do globo a afastarem-se da
pobreza extrema e a tornarem-se, possivelmente, em poderosos consumidores da
classe média. Agora, se o sonho de uma nova classe média global se torna
realidade ou se transforma num pesadelo vai depender, certamente, de muitos
fatores.
No atual mundo em mudança na qual
vivemos com o PIB de, aproximadamente, 80 economias em desenvolvimento a
duplicar o ritmo de crescimento per
capita da OCDE, o clube dos países mais ricos do globo, os cidadãos da
classe média estão, de modo paradoxal, a queixarem-se e a protestarem,
independentemente das suas riquezas estarem a crescer ou, pelo contrário, a
diminuir. Até há quem alerte para uma possível emergente guerra global de
classes médias. Ao passo que a raiva causada pelos cortes e pelo desemprego faz
sentido, é difícil de perceber os atuais protestos em países em rápido
crescimento como, por exemplo, a Tailândia, onde os padrões de vida estão a
melhorar. Posto isto, podemos perguntar: o que está a acontecer?
O elevado crescimento em países da
Ásia e do sul do globo significa maiores receitas com exportações e maiores
receitas alcançadas com os seus recursos naturais. Infelizmente esta bênção
pode tornar-se numa “maldição”. Na realidade, é importante salientarmos, por
exemplo, que, na China, as autoridades municipais de Pequim proibiram todos os
anúncios de produtos luxuosos em cartazes de rua que podiam contribuir para um
“ambiente político pouco saudável”.
Uma contínua desigualdade, ausência
de participação cívica, inatividade política e escassez de bons empregos, particularmente
para os mais jovens formam o “calcanhar de Aquiles” do modelo atual de
desenvolvimento dos países emergentes. Embora em alguns países os níveis de
rendimento e as condições sociais tenham melhorado, a satisfação com a vida
caiu.
A classe média, atualmente,
representa dois mil milhões de pessoas, divididas quase uniformemente entre
economias desenvolvidas e emergentes. A OCDE estima que, em 2030, a classe média global
poderá ascender a 4,9 mil milhões. Destes, entre 3,2 e 3,9 milhões de pessoas
estarão talvez a viver em economias emergentes, representando cerca de 65% a
80% da população global. Estas pessoas vão exigir mais e melhores serviços, uma
divisão mais justa dos benefícios trazidos pelo crescimento e instituições
políticas mais adequadas.
A recente onda de protestos a que
temos assistido pode ser o início desta tendência. A maior parte da classe
média emergente está apenas a uma alteração no salário para regressar novamente
à pobreza. Para combater este risco, os programas de segurança social devem ser
gradualmente prolongados para lá da assistência social.
A meu ver, outro ponto a salientar é
que mais empregos são desesperadamente necessários. A educação no mundo em
desenvolvimento tem de sofrer uma reforma para responder à procura por
qualificação. É essencial, também, um contrato social que implique melhores
serviços e uma maior prestação de contas dos governos para melhorar a política
orçamental e para mobilizar os recursos domésticos. Em países cujas populações
são genuinamente livres e onde beneficiam de serviços públicos de boa
qualidade, a confiança social aumenta e os cidadãos estão mais dispostos a
pagar impostos. O contrário acontece em Portugal. Nos países
onde as pessoas não confiam umas nas outras, mais de um terço da população
considera que a evasão fiscal é aceitável. Este valor desce para um décimo no
caso das nações onde as pessoas confiam umas nas outras.
A ascensão da classe média global vai
transformar a “paisagem” social, política e económica de todo o mundo. A ascensão
de sociedades coesas, em que as pessoas se sintam protegidas, em que os
cidadãos confiem uns nos outros e em que os esforços sejam recompensados é a
chave para a concretização dos sonhos dos seus membros.
Elsa
Lopes
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