sábado, 28 de novembro de 2020

Impacte económico da saúde mental

A saúde mental nem sempre foi vista como um indicador de saúde pública, sendo ainda nos dias de hoje por vezes subvalorizada. Segundo a OMS, a saúde mental é o estado de bem-estar geral em que cada indivíduo compreende o seu próprio potencial e é capaz de dar um contributo para si próprio e/ou para a sociedade. Com cerca de 13% da população a sofrer de alguma perturbação mental, prevê-se que em 2030 as doenças e as perturbações mentais sejam a causa primária de doença a nível global. Posto isto, é imperativo que esta matéria receba uma maior atenção, uma vez que afeta as nossas vidas enquanto individuais e enquanto sociedade económica.

Mas em que medida pode a saúde mental impactar a economia? Ora, são vários os fatores económicos que influenciam a saúde mental, tais como o aumento das situações de pobreza, incerteza profissional, exclusão social, desemprego, entre muitos outros. Deste modo, não é difícil perceber que as alterações na conjuntura económica apresentam vários riscos psicossociais. Vários estudos sugerem que as dificuldades financeiras e a incerteza económica aumentam a vulnerabilidade a problemas de saúde mental e estão associados ao agravamento de perturbações depressivas e de ansiedade, stresse, consumo de substâncias e suicídio. Por outro lado, a própria saúde mental tem impacte na economia, verificando-se uma associação inversa, ou seja, ter problemas de saúde mental pode interferir com a produtividade, aumentar o absentismo e assumir-se preditor significativo de desemprego.

De facto, o Stresse e a Depressão são já a maior causa de morbidade nos países desenvolvidos, vitimando mais pessoas, atualmente, que os acidentes de viação. Nos dias de hoje, são mais de 30% os europeus afetados por problemas relacionados com o stresse e são perdidos mais de um milhão de dias úteis de produtividade por ano. Aliás, as principais causas de baixas no trabalho são razões relacionadas com problemas de saúde mental. O stresse tem prejudicado em muito a produtividade das pessoas e é notória a dificuldade em acompanhar o novo estilo de vida, muitas vezes demasiado competitivo.

A experiência de crises económicas anteriores sugere que as recessões são prejudiciais para a saúde mental, apresentando um claro risco para o aumento de sintomatologia psicopatológica. Nestes períodos, os fatores protetores da saúde mental são enfraquecidos, os fatores de risco reforçados e a saúde mental é negativamente afetada. À medida que o nível socioeconómico decresce, devido à perda de rendimento, emprego, estatuto socioeconómico e autoestima, as pessoas vivem maior incerteza (financeira, laboral, em relação ao futuro), instalando-se a desesperança e os problemas de saúde mental.

Como forma de dar resposta à crise financeira de 2008, houve um incentivo à adoção de políticas de austeridade que, apesar de terem surtido algum efeito, os custos das mesmas fizeram-se sentir de forma significativa a nível social. Pode mesmo considerar-se que, apesar do seu ponto de partida financeiro, a crise que afetou Portugal era, igualmente, uma crise social, colocando o nosso país próximo dos lugares cimeiros da Europa no que concerne aos sentimentos de ansiedade, tristeza e depressão.

De acordo com estudos epidemiológicos de Saúde Mental, Portugal tem uma das taxas mais elevadas de perturbação psiquiátrica, sendo as perturbações depressivas e da ansiedade as mais relevantes. Se o cenário era já em si inquietante, o ano de 2020 acrescentou ainda mais um peso – uma crise sanitária global. As consequências da pandemia Covid-19 estão a ser devastadoras, arrastando consigo problemas de saúde mental que deverão atingir, pelo menos, 40% da população em Portugal, avizinhando-se um período de insegurança económica.

As alterações económicas têm e continuarão a ter consequências na dimensão psicológica das pessoas, pelo que é de grande importância implementar algumas estratégias para a minimização dos efeitos das mesmas na saúde mental das pessoas. É necessário investir mais e melhor na manutenção dos sistemas de saúde mental e, principalmente, combater o estigma. Cuidados de saúde acessíveis e programas ativos do mercado de trabalho e de alívio da dívida são algumas das recomendações para minimizar os riscos acrescidos para a saúde mental durante as recessões. É crucial que os serviços de saúde mental se adequem às mudanças sociais, laborais e de estatuto socioeconómico da população e que melhorem a prevenção e deteção precoce dos problemas de saúde mental.

Através de um investimento em estratégias que apoiem os determinantes sociais da saúde, os Governos e os sistemas de saúde poderão vir a economizar e a obter melhores resultados a longo prazo, disponibilizando uma rede de apoio à saúde mental mais completa. É preciso mobilizar para o setor da saúde mental recursos financeiros públicos que sejam adequados e estáveis que produzirão ganhos económicos a longo prazo, superando os custos imediatos.

Em suma, a importância que a saúde mental tem na estruturação e manutenção da sociedade é inegável e, como tal, não se pode manter esta tendência de negligência. Sendo a “disponibilidade económica” um determinante fundamental para a saúde mental das pessoas, quer de forma direta (acesso ao tratamento) quer de forma indireta (desemprego e expetativas), a sua degradação terá sempre implicações significativas no estado psicológico das pessoas.

 

Ana Catarina Fernandes 

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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