domingo, 15 de novembro de 2020

O tabaco: uma arma de destruição massiva

 O relatório «Portugal – Prevenção e Controlo do Tabagismo 2017», apresentado pela DGS, revela que, em 2016, morreram 11 843 portugueses por doenças atribuíveis ao tabaco, 10,6 % do total de mortes no país.

Ao longo dos últimos anos, os responsáveis políticos têm agido de forma a melhorar a saúde das pessoas, quer pela sensibilização e incentivos à adoção de estilos de vida mais saudáveis, quer pela regulação das componentes de alimentos e outros produtos nefastos para a saúde dos cidadãos.  Contudo, no que diz respeito ao tabaco, os impostos sobre o consumo e as medidas adotadas para diminuir a sua utilização não são aceitáveis do ponto de vista da justiça social.

Um estudo divulgado pela revista britânica “The Lancet”, em 2010, revelou uma realidade aterrador: cerca de 600 mil fumadores passivos morrem por ano em tudo o mundo, sendo que 27,5% são crianças, as principais vítimas deste produto, uma vez que têm maiores dificuldades em evitar a exposição quando os seus pais fumam em casa. O mesmo estudo apontou para que as mortes globais relacionadas com o consumo de tabaco estariam na casa dos 5 700 000. Desta forma, podemos concluir que mais de 10% das mortes associadas ao consumo de tabaco são de fumadores passivos, vítimas do comportamento irresponsável dos fumadores. Muitas destas pessoas sofrem com cancros e doenças respiratórias ao longo das suas vidas, sem nunca terem feito nada para o merecer.

Durante a pandemia do novo coronavírus, imensas pessoas apelaram à adoção das medidas de desaceleração de propagação da doença invocando que ninguém tem o direito de ser infetado pelo vírus em resultado da nossa irresponsabilidade cívica. Sem qualquer sombra de dúvida, algumas destas pessoas serão utilizadoras de tabaco, sendo pertinente perguntar para onde migra a sua responsabilidade cívica quando o fumo que lhes saí da boca está a prejudicar outras pessoas.

A partir do momento em que a nossa ação prejudica diretamente a vida e o bem-estar outras pessoas, não há qualquer justificação nem compensação económica que as justifiquem, dado que no número 1 no artigo 64 da Constituição da República Portuguesa é decretado que “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”.

Aliado ao aumento da qualidade de vida e à diminuição da incidência de cancros e doenças respiratórias, cerca de 1 200 vidas podiam ser salvas numa base anual em Portugal caso os utilizadores de tabaco não fumassem na presença de outras pessoas.

O Código Penal Português de 1852 passou a punir “o tiro com arma de fogo dirigido contra qualquer pessoa, independentemente de lhe causar qualquer tipo de ferimento”. O mesmo devia ser legislado quanto ao consumo de tabaco, que, no pior dos cenários, devia de ser realizado somente em espaços próprios e autorizados pela lei e severamente punido quando efetuado na proximidade de outros cidadãos, considerando em primeiro plano a qualidade de vida dos fumadores passivos, as vítimas da utilização de tabaco.

O mercado das armas de fogo foi extremamente regulado e limitado na sua liberdade económica em resultado das fortes externalidades negativas que tem sobre o bem-estar da sociedade. O mesmo seria de esperar que fosse feito no mercado do tabaco, contudo, as medidas adotadas pelo Estado português, à semelhança da maioria dos Estados a nível global, não estão nem perto de garantir a justiça social e os direitos assegurados pela constituição.


Francisco José Campos Sousa

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia da EEG/UMinho]

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