terça-feira, 24 de novembro de 2020

Qualidade de vida e mobilidade em Braga

Este ano, a Comissão Europeu publicou o estudo designado “Relatório de qualidade de vida nas cidades europeias”, onde analisa a satisfação dos habitantes de 87 cidades em relação a tópicos como segurança, mobilidade, emprego, cultura, saúde e espaços verdes, qualidade do ar e satisfação com a administração.

As duas cidades portuguesas incluídas neste estudo foram Lisboa e Braga. A segunda acabou por se destacar, quer pela positiva, quer pela negativa. Ao mesmo tempo que era eleita como a quinta cidade “mais feliz” da Europa, também foi referida como sendo aquela em que o uso de carro tinha maior peso na mobilidade urbana (Policy, 2020). O estudo também conclui que a qualidade de vida em Braga aumentou em 56% nos últimos 5 anos (décimo maior aumento).






                       Fonte: “Relatório de Qualidade de vida nas cidades europeias”

Seria justo dizer que o grande uso do automóvel não tem um impacte negativo direto na qualidade de vida e que cidades mais pequenas usam sempre mais este meio de transporte, mas, por outro lado, este dado costuma estar ligado à falta de transportes públicos e ou à falta de outros planos de mobilidade. De facto, Braga ficou em sétimo na lista de cidades que menos usa transportes públicos (29%): mais de um terço não se encontra satisfeita com a oferta atual, e apenas cerca de 13% usa a bicicleta para se deslocar (Policy, 2020).

O que podemos aprender com as outras cidades? Não podemos ignorar a relação entre o nível de desenvolvimento da cidade e a sua qualidade de mobilidade: cidades como Copenhaga ou Amesterdão parecem ser os sítios onde as pessoas mais optam pela bicicleta, em vez do carro.

O difícil acesso ao centro de carro, largos investimentos em ciclovias, diminuir parques de estacionamento de carros e até subsídios para o uso de bicicleta estimulou muito o crescimento deste meio de transporte nas últimas décadas (Schweighöfer, 2019).

Nas grandes metrópoles como Londres e Paris, a bicicleta não é tão popular devido às grandes distâncias, mas são os maiores utilizadores de transportes públicos: 59 e 58%, respetivamente.

O estudo da Comissão Europeia mostra a satisfação das pessoas com qualidade de vida na cidade de Braga, que contrasta muito com a atual mobilidade. Portanto, o que falta para melhorar a mobilidade?

Em 2019, a Câmara de Braga publicou o “Plano de Mobilidade Urbana Sustentável”, que o presidente do município apresentou como a garantia de um «futuro mais risonho» para a qualidade de vida na cidade. Ricardo Rio fala de um projeto para “humanizar e descarbonizar a cidade”, mudando o paradigma para peões, ciclistas e utilizadores de transportes rodoviários (Olivera, 2019).

Por um lado, o documento, em si, foi muito criticado pela “Braga Ciclável”, que descreve o plano com uma abordagem teórica centrada na mobilidade sustentável, com medidas contraditórias, falta de prazos para a concretização de objetivos e proposta insuficientes para alcançar objetivos fundamentais, como, por exemplo, 10% de população utilizar a bicicleta como transporte diário (Braga Ciclável, 2019).

Por outro lado, existe uma parte população que vê medidas como tirar espaço de estacionamento e restrições à circulação de carro em certas áreas como uma “ameaça” ao seu meio de deslocação. Existe então uma contradição manifestada no estudo e faz isso a partir de várias perspetivas complementares.

A perspetiva da “agenda política”, principalmente das politicas europeias (green deal, agendas para a sustentabilidade, etc.), mesmo quando racionais e bem-intencionadas, podem gerar conflitos com os muitos micro-contextos culturais em que terão de ser adaptados às necessidades de cada município/cidade.  Apesar das intenções de apostar na sustentabilidade e na qualidade de vida, as políticas pensadas podem ter dificuldades em mudar o que quer que seja, porque uns não vão gostar da mudança e outros vão achá-la tão insuficiente, isto é, que não passa de uma oportunidade perdida.

A perspetiva de alguns grupos de cidadãos de qualidade de vida passa, essencialmente, por poder andar de carro para todo o lado sem nunca perder muito tempo no trânsito, e isso retira espaço às visões mais modernas de qualidade de vida que reforçam a sustentabilidade e o usufruto do espaço público.

 

Inês José

Bibliografia:

Braga Ciclável. (2019). Análise ao documento da Fase II do Estudo de Mobilidade e Gestão de Tráfego do Município de Braga. www.bragaciclavel.pt

Olivera, J. (2019). Plano de Mobilidade garantirá futuro «mais risonho» a nível de qualidade de vida. Minho, Diário. https://www.diariodominho.pt/2019/11/27/plano-mobilidade-qualidade-de-vida/

Policy, U. (2020). Report on the Quality of Life in European. https://doi.org/10.2776/600407

Schweighöfer, K. (2019). O reino dos ciclistas. https://www.deutschland.de/pt-br/topic/vida/holanda-pais-das-bicicletas-porque-a-bicicleta-e-tao-estimada


[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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