quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Liberdade responsável em tempos de pandemia

 

O conceito de Cidadania tem, ao longo dos tempos, vindo a sofrer alterações na forma como é explanado pela população, isto é, pelos cidadãos. É inequívoco que, não existindo verdades universais e, desse modo, (praticamente) tudo pode ser refutável, existem vários modelos de cidadania, bem como as perspetivas que a sustentam.

Numa primeira abordagem, é pertinente diferir um cidadão de um súbdito e, essencialmente, caraterizar o papel de cada um. Enquanto os súbditos carecem de direitos, sendo-lhes conferidos apenas deveres, sobretudo o da subserviência, um cidadão goza de direitos e deveres, de igual modo. Aqui é necessária uma alusão à democracia como fonte primordial de cidadania.

Uma sociedade democrática, neste caso, estará tecnicamente mais bem preparada para lidar com uma emergência e que exija uma rápida resposta. Contudo, aplicando este princípio ao surto da Covid-19, até que ponto o “excesso de liberdades” e direitos dos cidadãos pode condicionar a ação dos Estados na defesa do interesse global, neste caso concreto, o combate a uma pandemia?

A nova estirpe do coronavírus (SARS-CoV-2) veio instaurar um novo paradigma na liberdade de circulação de bens e pessoas. Somos realmente livres ou o facto de eu colocar a própria liberdade em causa já faz de mim livre?

Analisando este novo vírus, que tanto tem condicionado a nossa forma de viver em sociedade, percebemos, numa primeira instância, que esta doença se assemelha a tantas outras com as quais já convivemos no nosso quotidiano desde o dia em que nascemos. Aliás, sem conhecimento de causa e numa fase inicial, foram várias as comparações desta nova doença com um simples resfriado, uma gripe ou, em casos mais graves, uma pneumonia.

A passagem deste surto trouxe (a nós portugueses) uma nova realidade: a do Estado de Emergência. Este mecanismo (proposto pelo chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, e aprovado pela Assembleia da República) que, como o próprio nome assim o indica, reflete um estado de preocupação agravado e de ameaça perante uma situação caótica, foi, pela primeira vez, acionado nos 46 anos da nossa democracia. Para os jovens tratou-se, em alguns casos, de um choque de realidade; já para os mais idosos, uma espécie de regresso ao passado.

Ainda assim, e novamente interligando o conceito de cidadania com a ideologia democrática, foi interessante analisar a postura governativa do nosso parlamento, nomeadamente da terceira força mais “poderosa” da nossa democracia, o primeiro-ministro, António Costa. O chefe do governo português classificou o Estado de Emergência como uma medida responsável, porém, que jamais poderia funcionar como suspensão da democracia, e atribuiu às forças de segurança um papel pedagógico assente nos seus deveres, sem nunca descurar os direitos do cidadão, à exceção do direito de resistência por se tratar de uma situação que requer cooperação global e, neste caso, existir uma necessidade abrupta de a impor perante os que, não sendo capazes de respeitar a liberdade do outro, terão de responder por tal ato irrefletido e inconsciente.

Caminhamos, a passos largos, e fruto de uma liberdade irresponsável, para um modelo de cidadania “semidemocrático” e no qual o Estado poderá ter de intervir, ainda que de forma pedagógica, no comportamento dos indivíduos.

Esta é a primeira pandemia em tempos de redes sociais e é estranho como, de repente, aprendemos a conviver no mundo virtual com opiniões que, partindo do livre arbítrio das pessoas que as emitem, não deixam de ser perigosas. Subitamente, no Facebook, Instagram, Twitter e/ou outras redes sociais percebemos que existem especialistas de todo o tipo de matérias: os “reis das teorias da conspiração” e os “ministros da especialidade pandémica”. E não existindo donos de uma única verdade universal, creio que cada cidadão deva cingir-se à sua área de estudos/profissionalização, sob pena de viver toda uma vida em negação e induzir em erro os que fazem parte do seu dia-a-dia.

Aprendemos a tratar o conceito de cidadania como um direito, mas, com a constante evolução da sociedade, vamos entendendo cada vez melhor a sua nova conceção: a de uma cidadania responsável!

Tudo tem um propósito e o novo coronavírus veio demonstrar que é possível viver sem futebol, mas jamais sem médicos. Mostrou-nos ainda que investir na ciência é muito mais importante que testar um novo míssil, mas, mais que tudo, trouxe de volta o valor da vida. E, alheios a qualquer nacionalidade, etnia, classe social ou habilitações literárias, é importante cuidarmos de nós, olharmos uns pelos outros e acreditar que tudo vai ficar bem!


Diogo Martins

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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