quinta-feira, 5 de novembro de 2020

OE2021: o Orçamento que ninguém desejava fazer

   O mês de outubro é o mês do Orçamento do Estado. Com ou sem Covid-19, o ritual anual das discussões repete-se. De modo a analisarem as variações dos valores da função pública, quais os benefícios fiscais de que as empresas irão beneficiar, quais os valores das previsões macroeconómicas, a troca de declarações entre líderes partidários vai-se sucedendo até à (eventual) aprovação.

Este é um Orçamento que pretende apoiar quem mais precisa, num momento altamente desafiador para a sociedade devido à pandemia e ao seu impacte não só a nível da saúde, como também a nível social e económico. Tendo em conta a recente subida do número de casos de Covid-19, isto implicou o regresso aos confinamentos um pouco por toda a Europa, ou seja, esta segunda vaga irá ditar uma alteração significativa das condições económicas subjacentes à proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE2021).

Perante a situação atípica que vivemos, este é um orçamento que tem no setor da saúde uma prioridade absoluta, com vista na contratação de mais 4.200 profissionais para que o combate à Covid-19 na linha da frente seja mais eficiente, com uma reserva de 200 milhões de euros para o reforço do orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Quanto à componente dos impostos, estes não vão ser aumentados, ficando todas as taxas inalteradas e não havendo qualquer atualização dos impostos indiretos. Entre as medidas mais “generosas” do lado dos rendimentos para os contribuintes estão o aumento do salário mínimo em 23,75€, a subida do subsídio de desemprego em 66€ e o aumento extraordinário das pensões em 10€. É um orçamento que abrange também um novo apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, que protege recibos verdes e domésticos, assim como o subsídio de doença por isolamento profilático e por Covid-19, de modo a que ninguém, devido à pandemia, fique abaixo do limiar da pobreza.

Contudo, também é verdade que, a meu ver, há propostas que são apenas “fogo de vista”, como a redução de 2% da retenção na fonte do IRS, pois, na verdade, estamos a falar de um alívio fiscal de apenas, no máximo, 16€ por mês a mais num orçamento familiar. O mesmo se verifica na ideia criativa do IVAucher, que visa estimular o consumo dos setores da restauração, hotelaria e cultura, através da recuperação do IVA gasto nestes setores. Porém, está destinada uma verba muito pequena para esta medida, logo isto não traduzirá, certamente, um boom de consumo privado para estes setores, como seria expectável.

A maior desilusão terá sido mesmo para os empresários. Estes, que esperavam medidas fortes de apoio ao investimento, ao emprego e ao comércio, como subsídios ou incentivos fiscais, na realidade receberam uma “mão cheia de nada”. Assim, não se vislumbram medidas que reflitam efeitos significativos nas contas das empresas, visto que o Governo reservou apenas 309 milhões de euros para pagar em 2021 despesas inerentes ao mecanismo de apoio à retoma progressiva, que substituirá o lay-off simplificado que termina no final deste ano.

Aliada a estas medidas, está uma aposta no investimento público, com um crescimento superior a 23%, que prevê investimentos estruturantes em áreas como a mobilidade sustentável, rodovia/ferrovia, infraestruturas da saúde e transição digital na educação. Consta ainda para a economia verde uma clara aposta na descarbonização e a descida do IVA na eletricidade, uma medida que abrange mais de 80% dos consumidores do mercado elétrico em Portugal.

Desta forma, a exigência em torno do OE2021 é muito particular, pretendendo-se que tenha capacidade para, por um lado, recuperar a estabilidade macroeconómica, enquanto corrige os diversos desequilíbrios que resultam da atual crise, e, por outro, lançar as raízes de projetos sustentados e com impacte de longo prazo.

Contas feitas, constato que é verdade que não haverá fartura de dinheiro na economia como muitos ansiavam, mas que o melhor está a ser feito. Nesta peculiar situação, o OE2021 pretende manter os níveis de prestações sociais e apoios face à Covid-19, enquanto se reduz o défice e reequilibra-se os indicadores que resvalaram em 2020. Na minha opinião, este é o Orçamento do Estado que se agarra à esperança de que, quando acabar o confinamento, tudo se encontre mais ou menos intacto, ou seja, é um orçamento que nem corta nem acrescenta grande coisa.


Joana Gonçalves Faria

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

Sem comentários: