domingo, 8 de novembro de 2020

Vida noturna e a pandemia (versão revista)

 A economia noturna pode ser definida como o conjunto das atividades económicas desenvolvidas em horário noturno (das 20h até às 6h), tais como: bares, cafés, discotecas, restaurantes de comida rápida, espetáculos, concertos e eventos. A atividade noturna e a vida noturna, como um todo, são uma parte significativa da economia e antes da pandemia eram um dos setores que mais crescia no país, não só devido ao grande número de atividades que este setor engloba mas também devido à mudança do nosso estilo de vida, uma vez que as pessoas, e especialmente os jovens de hoje em dia, têm uma maior qualidade de vida e buscam mais atividades de lazer que lhes proporcionem prazer e que lhes permitam sair da monotonia e do stress do dia-a-dia, e grande parte dessas atividades estão concentradas em horário noturno.

Além disso, as atividades noturnas estão ligadas cada vez ao turismo, uma vez que destinos como Lisboa e, principalmente, o Algarve, onde as atividades de lazer têm um peso cada vez mais importante e são associadas a caraterísticas normalmente relacionados com a noite, como a diversão, alegria e aventura. Por outro lado, o desenvolvimento de atividades noturnas tem dado “vida”, em especial, ao centro das cidades, que muitas vezes apresentam pouco dinamismo e são espaços que, além da degradação social, dado o facto de serem espaços na maioria habitados por pessoas com menores rendimentos e minorias sociais, apresentam também a degradação física de prédios e infraestruturas, o que contribuí para o declínio destas áreas.

Assim, o impacto que esta crise está a ter nos negócios e atividades ligadas à noite não tem apenas consequências para as atividades deste setor, como o desemprego e o encerramento de diversos espaços, que em muitos casos não voltam a retomar atividade, dada a incapacidade de manter custos associados a estarem encerrados e devido à incerteza daquilo que seriam os meses após o fim do estado de emergência e a falta de apoio do Estado. Também relevam a esse respeito as perdas económicas no setor do turismo e a perda de dinamismo, como um todo, já que muitos bares e discotecas, por exemplo, têm-se tornado mais empresariais e representados por marcas, bem como o agravamento do processo de degradação de espaços e do centro das cidades, já que não existe incentivo à reabilitação de prédios e atribuição de novos usos para os mesmos. O setor noturno é também importante pois faz parte da economia criativa e promove o cruzamento e interação entre diferentes pessoas, como produtores culturais, residentes, estudantes e turistas.

Com o decorrer dos meses e consequente evolução da pandemia, a economia foi-se abrindo e voltando “ao normal”, processo este que não tem sido nada fácil para as atividades e negócios noturnos. As regras impostas, como a limitação de pessoas em espaços como bares, discotecas, espetáculos, o uso obrigatório de máscara em espaços fechados, o distanciamento social e a adoção de medida higiénicas, têm produzido tensões enormes na contabilidade dos negócios, em especial daqueles de menor dimensão e que não estão protegidos por fundos de investimento imobiliário ou grupos empresariais do setor do lazer. A maioria do tecido dos negócios noturnos não possui liquidez nem capacidade financeira para aguentar este cenário por um grande período de tempo, pelo que alguns negócios que conseguem seguir em frente e prosperar são obrigados a reinventar-se, como é o caso de DJs e promotores de indústria do lazer noturno e artistas que reagiram com rapidez e criaram toda uma rede de iniciativas de streaming, a partir das suas casas, garagens ou clubes vazios. No caso português, o comediante Bruno Nogueira é um caso notório: através das redes sociais conseguia juntar mais de 50 mil pessoas nos seus diretos. Outro caso de adaptação é o caso de estabelecimentos noturnos que têm prestado serviços de pastelaria de modo a conseguirem abrir portas e de alguma forma a abater algumas das perdas que verificaram.

Concluindo, depois daquilo que se constatou, penso que o próximo cenário pós-pandemia deveria identificar a vida noturna e todos os negócios e espaços que esta engloba como parte intrínseca das políticas autárquicas e nacionais, pois a noite constitui um mecanismo de bem-estar sócio- emocional, construção de comunidade e inclusão e vai ao encontro de uma das caraterísticas naturais do ser humano que é a união e socialização. Após um período longo de confinamento e restrições, isso constitui uma rede de segurança emocional que permite às pessoas seguir em frente e começar de novo, pelo que o Estado deveria criar maiores fundos de apoio às empresas deste setor e também ajudar na promoção da noite e, portanto, romper com a sua dinâmica frequentemente segregacionista.


Augusto Bernardes Espinosa

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia da EEG/UMinho]

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