quarta-feira, 4 de novembro de 2020

O impacte da crise sanitária na procura e na oferta da economia

 

A crise de saúde pública gerada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, que despoletou a pandemia de COVID-19, está a ter um impacte sem precedentes na atividade económica da generalidade dos países. O necessário afastamento social e as medidas de mitigação adotadas, essenciais para conter o surto e o custo humano desta crise, têm um forte impacte nas decisões de procura e de oferta na economia.

Atualmente, os esforços que se mobilizam para tentar conter a evolução do surto reduzem a atividade económica. A recessão, por assim dizer, é uma medida necessária para a manutenção da saúde pública. No entanto, manter os trabalhadores afastados dos seus trabalhos e os consumidores afastados do consumo reduz irrevogavelmente a atividade económica.

Figura 1: Correlação entre o impacte das políticas de contenção na manutenção da saúde pública e a recessão económica inerente.

Fonte: Mitigating the COVID Economic Crisis: Act Fast and Do Whatever It Takes

O painel superior da figura acima sugere que quando aplicamos medidas de contingência conseguimos mitigar o aumento do número de casos de Covid-19, o que permite a manutenção da saúde pública. Caso não fossem aplicadas medidas de contingência, o aumento do número de casos seria bastante superior num curto de espaço de tempo.

Em contrapartida, o painel inferior, que retrata a evolução económica, sugere que uma recessão mais acentuada ocorre quando são aplicadas políticas de contenção, o que não aconteceria, pelo menos de forma tão gravosa, sem a aplicação de medidas.

Portanto, achatar a curva de infeção, garantindo o bem-estar da saúde pública, acentua claramente a curva de recessão macroeconómica.

A economia está dependente do bom funcionamento de uma rede complexa de intervenientes interdependentes entre si: funcionários, empresas, fornecedores, consumidores, bancos e intermediários financeiros. Sendo as relações comprador-vendedor, credor-devedor, interrompidas e enfraquecidas pelas medidas de contingência atualmente em vigor. O resultado é, evidentemente, uma cadeia de interrupções catastróficas. 

Figura 2: Múltiplas falhas no diagrama de fluxo circular


Fonte: Mitigating the COVID Economic Crisis: Act Fast and Do Whatever It Takes

O diagrama acima apresentado ilustra que as famílias e as empresas interagem nos mercados de bens e serviços - as famílias, os compradores, consomem o que as empresas, as vendedoras, produzem. Este circuito mantém a economia em crescimento pelo que uma interrupção deste fluxo pode resultar numa desaceleração generalizada da economia. No gráfico acima vemos representados, sob a forma de cruzes vermelhas, os três tipos de choques que estão, atualmente, a assolar a economia.

À semelhança da crise internacional, decorrente entre 2008-09, também a crise atual, do COVID-19, fez com que os consumidores e as empresas entrassem num ciclo de adiamento de gastos. As empresas não produzindo, e muitas delas sendo obrigadas a encerrar, deixam de ter fundo de maneio para suprir os custos de tesouraria, nomeadamente o pagamento de salários, o que resulta ou em despedimentos ou no seu inevitável lay-off. As famílias, por sua vez, vendo os seus rendimentos reduzidos, ou enfrentando situações de desemprego, sofrem dificuldades financeiras, e acabam por consumir menos. Os trabalhadores que perdem os seus empregos, e que sofrem dificuldades financeiras, como consequência da perda de rendimentos, gastam e consomem menos.

A isto acrescem as demissões de trabalhadores, quarentenas ou afastamentos para cuidar de crianças ou parentes doentes diretamente relacionados com as políticas de contenção ou outras necessidades médicas. O primeiro choque é, portanto, no consumo privado.

Em 2020, é esperada uma contração da economia portuguesa, que acompanha os desenvolvimentos a nível global e, em particular, da área do euro. O contexto atual carateriza-se pela incerteza extrema quanto: à magnitude e duração do choque económico, incluindo os canais de transmissão da crise sanitária na economia; à resposta dos agentes económicos às medidas de apoio à atividade económica; e à evolução da conjuntura externa. O choque comum e generalizado a nível global intensifica os riscos descendentes para Portugal como uma pequena economia aberta, que, nos últimos anos, aumentou o peso do sector do turismo.

 

Álvaro Augusto Arantes Pinheiro

Bibliografia:

Gourinchas, Pierre-Olivier. "Flattening the pandemic and recession curves." Mitigating the COVID Economic Crisis: Act Fast and Do Whatever 31 (2020).

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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