quinta-feira, 4 de novembro de 2021

A mão-de-obra barata sai cara

No nosso país, principalmente quando se discute uma possível subida do salário mínimo, emerge sempre uma espécie de dogma: os salários não podem subir sob pena de perdermos competitividade externa e de aumentarmos o desemprego. A justificação mais vezes apontada é a de que a produtividade do trabalhador português torna o aumento dos salários proibitivo.



De facto, quando olhamos para a remuneração e produtividade do trabalhador português, e comparamos esses valores com a média europeia, verifica-se, sobretudo a partir de 2008, que a crescente divergência das remunerações tem sido acompanhada por uma também crescente divergência da produtividade do trabalho.

Acontece que, se os nossos baixos salários são um fator de competitividade externa, a verdade é que foram poucos os frutos dessa suposta competitividade. No gráfico abaixo, podemos ver o peso das exportações portuguesas a baixar no contexto europeu entre 1995 e 2020; ou seja, mesmo com salários cada vez mais baixos relativamente ao resto da Europa, Portugal esteve longe de se tornar numa potência exportadora no continente.



Além disso, se a competitividade devida aos salários baixos é duvidosa, a ideia de que os mesmos protegem a economia do desemprego é igualmente complicada. No gráfico seguinte, pode ver-se que a referida divergência de salários foi também acompanhada com uma divergência nas taxas de desemprego, mas com Portugal a ultrapassar a UE.



Os valores da emigração não surpreendem: quando os portugueses perdem os seus trabalhos mal pagos emigram e daí a forte correlação entre a taxa de desemprego e a emigração. Mas, sendo assim, atrevo-me a perguntar: qual é mais-valia da mão-de-obra barata se, à vinda de uma crise, não a conseguimos reter? Terá sido a emigração a verdadeira solução para o desemprego e não a manutenção de salários baixos? Mais: num país onde muito se fala do envelhecimento populacional e da sustentabilidade da segurança social, será que podemos conviver com estes números de emigrantes? Considero, pois, que deveríamos pensar seriamente em como tornar Portugal num país atrativo, pelo menos para os portugueses. Ter salários mais altos seria um óbvio bom começo.

Por fim, há um aspeto de justiça distributiva. Entre 2010 e 2017, a grande maioria dos países da UE registou uma diminuição do peso dos salários na composição do PIB. Portugal não foi diferente e destacou-se com a quarta maior queda.



Não quero com este texto defender uma subida de salários devida exclusivamente a mudanças do valor do salário mínimo, como também não quero ignorar a necessária relação entre produtividade e salário. Contudo, perante estes dados, é difícil não concluir pela invalidade do dogma apresentado no início: salários baixos não fizeram Portugal mais competitivo e também não impediram elevadas taxa de desemprego.

O propósito deste texto é sim o de chamar a atenção para outras narrativas. O aumento do salário pode trazer ganhos de produtividade: aumenta o empenho e diminui as faltas dos trabalhadores; elimina empresas com processos pouco produtivos, o que liberta recursos para outras empresas com uma mais eficiente afetação de recursos; e, por fim, ficando o trabalho mais caro, as empresas vão ter de enfrentar os riscos associados a ter uma produção mais capital intensive, isto é, vão ter que arriscar e investir para fazer o trabalhador mais produtivo, em vez de dependerem de salários baixos.

Este último ponto implicaria uma séria mudança de atitudes por parte de muitos governantes e empresários. O debate gira quase sempre à volta de medidas paliativas com o intuito de garantir a sobrevivência das empresas, caindo a maior parte dos custos sobre os trabalhadores, ao passo que subsistem vários problemas de fundo, como, por exemplo, a reduzida capacidade de gestão e organização das empresas devida aos empresários e gestores. Penso, por isso, haver uma certa falta de coragem e imaginação por parte de quem lidera, o que nos tem levado ao persistente recurso a soluções reveladoras de pouca visão de longo-prazo. Os resultados são já visíveis, principalmente quando comparamos Portugal com alguns países do leste europeu.

 

Paulo Gomes

Fonte dos dados: Pordata 

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

Sem comentários: