sábado, 27 de novembro de 2021

A necessidade de regular as redes sociais

A microeconomia ensina-nos a prever o comportamento do indivíduo-consumidor partindo do pressuposto de que o mesmo é racional, procurando sempre maximizar a sua utilidade. Comportando-se todos os indivíduos dessa mesma forma, o bem-estar social é também maximizado, desde que o indivíduo disponha de um amplo leque de opções e a liberdade necessárias para poder maximizar a sua utilidade de acordo com as suas preferências e dentro do seu rendimento. Assim, quantas mais opções e quanto mais consumo maior a utilidade do indivíduo.

No entanto, falamos de modelos, de representações da realidade e não de descrições detalhadas da mesma. Não é difícil encontrar situações que contrariem esse pressuposto, isto é: para certos bens e serviços, consumir mais nem sempre aumenta a utilidade do indivíduo, nem o bem-estar social, dadas as externalidades negativas. Os exemplos que mais facilmente nos vêm à cabeça é o consumo excessivo de álcool e de drogas que leva a sérios problemas de saúde física e mental. O problema é agravado quando empresas criam bens e serviços para explorar a “falta de racionalidade” dos consumidores, como sucedeu com as tabaqueiras, que intencionalmente conceberam cigarros ainda mais viciantes e campanhas publicitárias dirigidas aos mais jovens, ou os bancos norte-americanos, que concediam empréstimos subprime que levariam muitos à ruína financeira.

Perante os potenciais efeitos destes bens e serviços, considera-se que as preferências de alguns consumidores são perigosas para os mesmos e para a sociedade, havendo também quem defenda a inviabilidade de se deixar o indivíduo à sua própria sorte junto de empresas exploradoras dos seus vieses cognitivos. A autoridade do Estado encontra, assim, justificação para impor regulações que eliminem ou mitiguem esses efeitos. Com efeito, bens e serviços não regulados cujo consumo causa efeitos prejudiciais são raros. No entanto, as redes sociais têm escapado a essa regulação em grande parte, apesar das consequências do seu consumo excessivo.

O negócio das redes sociais consiste em expor o indivíduo ao maior número de anúncios publicitários possível, pelo que a atratividade das redes sociais para os anunciantes depende da capacidade das mesmas em chamar e manter a atenção do indivíduo. Para tal, as redes sociais recorrem à oferta de vários serviços de informação, comunicação e interação com outras pessoas e à promoção de conteúdo inflamatório ou estimulante. Através de likes, thumbs up e upvotes e algoritmos que levam sempre à promoção do conteúdo mais chamativo, as redes sociais ativam os “centros de recompensa” dos nossos cérebros, aumentando a secreção de dopamina. No entanto, a sensação de prazer é temporária, o que leva o consumidor a recorrer novamente às redes sociais até que o utilizador ganha “tolerância” e o consumo deixa ser prazeroso, à semelhança de outras dependências. Não são, pois, surpresa os vários estudos que associam o uso excessivo das redes sociais a estados de depressão, ansiedade e outros transtornos de humor, perda de sono e isolamento social, bem como aqueles que trazem relatos de pessoas que dizem se sentir melhor quando deixam de usar as redes sociais ou diminuem o seu consumo. Mais uma vez: à semelhança do que sucede com outras dependências, não esquecer que muitos destes efeitos afetam especialmente os mais jovens.

De notar ainda que só estamos a falar no âmbito das relações entre as redes sociais e os seus utilizadores, porque se estendermos o âmbito desta discussão às relações entre as redes sociais e as comunidades, em geral, então teremos que falar de outros fenómenos que fazem das redes sociais potenciais inimigas das nossas democracias (fake news, efeitos echo chamber, propagação de ódio, etc.).

É de concluir que as redes são um produto que se insere na categoria dos que carece de regulação pública. Mas regular o seu consumo não se advinha fácil. Não só as redes sociais são monopolizadoras de muito do mundo online, ganhando disso um enorme poderio económico e político, como ideias concretas sobre como a regulação deve ser feita são de difícil conceção. É que essa regulação não terá apenas implicações económicas, mas também políticas, visto que as redes sociais, ao se tornarem um importante meio de transmissão de informação, tornaram-se também um importante meio para o exercício de direitos, como o direito à liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa.

Este é um problema irónico. A Humanidade passou a maior da sua história condicionada pela falta de alimentos, mas hoje lidamos com problemas de obesidade. Agora que resolvemos o problema do acesso a informação, temos de evitar de ficar assoberbados dela. Regular as redes sociais poderá muito bem vir a ser, juntamente com as alterações climatéricas, um dos maiores desafios deste século.

 

Paulo Gomes 

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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