terça-feira, 16 de novembro de 2021

Polémica no mercado imobiliário: o que esconde a subida dos preços?

A situação pandêmica vivida nos últimos dois anos foi marcada por largos períodos de confinamento, onde o teletrabalho e a maior vivência na habitação serviram de alerta para as fragilidades existentes no setor imobiliário. Com a tendência mundial para o crescimento dos preços no mercado imobiliário, a habitação tem-se tornado um problema central em praticamente todos os países ocidentais.

Para Portugal, esta problemática não é recente, pelo contrário: a situação da habitação no nosso país é a de uma crise estrutural, que não tem paralelo nos restantes estados-membros da UE. Desde 2013 que se verifica um crescimento anual no preço da habitação, que não tem sido acompanhado por aumentos equiparáveis no salário e que têm levado à deterioração da qualidade de vida dos portugueses. Face a esta realidade, a partir de 2013 tem-se observado o movimento de “êxodo urbano para a periferia” (Observador, 2020) consequência do aumento exorbitante das rendas e perda de habitação de muitas famílias para alojamento local.

Em 2021, contrariamente ao previsto, não houve correção dos preços no mercado imobiliário. O Índice de Preços da Habitação (IPHab), no 2º trimestre de 2021, cresceu 6,6% em termos homólogos e 1,4 p.p. acima do observado no trimestre anterior (INE). O que está por detrás da subida do preço das casas?

O FMI aponta as medidas de estímulo impostas pelo BCE como a principal causa do aumento do preço da habitação, dado que estas têm mantido as taxas de juro reduzidas. Através dos dados recolhidos pelo INE, é possível observar que as taxas de juro de depósitos a prazo (0,11%), dos depósitos à ordem (0,01%) e de crédito à habitação (1%) são historicamente baixas, pelo que os agentes económicos com capacidades para investir preferem converter as suas poupanças em imobiliário, em alternativa aos depósitos. Adicionalmente, também o incremento da poupança privada foi um dos principais fatores do aumento da procura no mercado imobiliário.

O aumento da procura de habitação contrasta com uma oferta estruturalmente escassa, no caso português, que foi agravada com moratórias de crédito. Estas permaneceram em vigor até setembro deste ano, fazendo com que muitos ativos imobiliários se mantivessem fora do mercado. 

Acredito que face a este desequilíbrio entre a procura e oferta no mercado imobiliário, os mercados têm sempre mecanismos autorreguladores e que, sem intervenção do Estado, estes seriam capazes de voltar ao equilíbrio. Contudo, pelo facto deste desequilíbrio no mercado não ser apenas uma flutuação momentânea mas, pelo contrário, uma situação de crise estrutural, o Estado tem o dever de regular e impor medidas que possibilitem o melhor funcionamento do mercado. A pandemia, mais do que alterar a realidade, veio evidenciar a urgência da resposta pública e, no que respeita à habitação, não restam dúvidas de que o Estado português tem estado muito ausente.

Conforme o Comité Europeu dos Direitos Sociais, a oferta pública portuguesa tem estado muito abaixo das médias europeias - o parque habitacional público representa apenas 2% do parque habitacional existente. Este valor, para mim, mostra uma ausência completa de intervenção estatal, mas ainda se torna mais grave quando comparado com alguns dos nossos parceiros europeus onde o parque habitacional público é de 30% na Holanda, 24% na Áustria, 20% na Dinamarca, e 19% na Suécia.

Em suma, para mim, esta contínua subida dos preços no mercado imobiliário não resultou apenas do jogo da oferta e da procura, mas também da falta de respostas dos governos na última década. Na minha opinião, perante as ajudas que podem vir do Plano de Recuperação e Resiliência, assim como dos fundos estruturais, é urgente uma resposta a esta problemática através de instrumentos de promoção de investimento público neste setor, tais como o incremento do parque habitacional e a construção de uma nova geração de políticas de habitação, para que seja possível mudar o panorama atual.

 

Beatriz Machado

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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