terça-feira, 23 de novembro de 2021

O Escandaloso ´Renewable heat incentive` norte irlandês e o papel das burocracias

         O ano era 2008 e o Parlamento norte irlandês tomava uma decisão que viria a custar £490 milhões aos seus contribuintes – a rejeição da introdução do sistema britânico do renewable heat incentive, com o intuito de desenvolver o seu próprio sistema.

       A crescente preocupação ambiental levara à introdução do renewable heat incentive, um programa cujo objetivo era subsidiar a utilização de energias mais limpas para o aquecimento dos espaços. Com isto, o estado norte irlandês iria financiar todos aqueles que utilizassem pelets como meio de aquecimento. No papel, esta política parece ser uma boa iniciativa e uma possível solução para a questão ambiental (viabilizar a utilização de energias mais limpas, tornando-as mais baratas), porém um inexplicável lapso levou a que o valor do subsídio fosse superior ao valor do combustível, ou seja, permitia à população ganhar dinheiro única e exclusivamente tendo esquentadores a trabalhar a pelets.

          Esta medida foi desenvolvida pelo department of enterprise, trade and investment (DETI), liderado pela futura primeira-ministra Arlene Foster, sendo estes os grandes responsáveis por esta inconsistência. Inicialmente, estes idealizaram um valor para o subsídio relativamente baixo, por isso julgaram desnecessária a implementação um controle de custos similar ao imposto na Grã-Bretanha – o valor do subsídio decresceria substancialmente para todos os esquentadores utilizados durante um período superior a 15% do ano. Contudo, durante a revisão deste programa, entenderam que a contribuição monetária era pouco expressiva, culminando no aumento do seu valor, porém foi completamente ultrapassada a necessidade da revisão da não instituição de um controlo de custos. Com isto, deu-se a situação exposta supra onde £1 de pelets resultava em £1,6 via subsídio. Ademais, tem-se que o valor do subsídio era variável com a dimensão do esquentador, desincentivando aqueles de maior escala, promovendo, assim, o recurso a esquentadores menores.

Um agravante deste subsídio é o período de fidelização. Trata-se de um programa de 20 anos, ou seja, permitia um uso abusivo do mesmo durante duas décadas. Toda esta situação data do ano de 2012, sendo no mês de novembro feito o lançamento oficial desta proposta.

          Durante os anos que antecederam 2015 foram diversas as notificações recebidas no DETI sobre o abuso desta política, chegando a empresária Janette O’Hagan a se oferecer para fornecer provas de como o dito programa estava a ser explorado. Porém, todas as advertências foram ignoradas, continuando com o renewable heat incentive. Inclusivamente, em 2014, este programa foi revisto, determinando ser desnecessário estipular controles de custos e alargando o alcance dos subsídios para as residências domésticas. Finalmente, no ano de 2015, uma mudança de gerência do DEPI leva à revisão deste programa, sendo decidido, a 8 de setembro, estipular um sistema de controlo de custos equivalente ao britânico. Porém, inúmeras burocracias apenas permitiram que estas alterações fossem oficialmente colocadas em prática a 18 de novembro, possibilitando a submissão de novas candidaturas durante estes dois meses sobre as regras antigas. Neste espaço de tempo foram submetidas tantas candidaturas como nos 3 anos de programa, sendo 98% delas aceites.

          As deficiências deste programa são gritantes. Uma medida que previa ser positiva para o ambiente culminou numa ineficiência energética incalculável. O programa não só promovia uma combustão desmedida como incentivava a fazê-lo com diapositivos menores, resultando em grandes espaços serem aquecidos com diversos pequenos esquentadores, ao invés de um maior e mais eficiente. Tem-se que, até à revisão do programa, apenas 0,5% dos subsídios eram dirigidos para esquentadores com mais de 100 kW, os determinados como grandes. Após a dita revisão, este número disparou para 65%, um aumento de mais de 13.000%. Acrescenta-se que no período pré controle de custos, 39% dos esquentadores trabalhavam mais de 50% do ano, comparados com uns míseros 0,4% após a correção.

          Do meu ponto de vista, esta política tem as suas valências e apresenta bastante potencial, tornando viável a utilização das pelets, tornando plausível para as empresas esta substituição. Contudo, é bastante condenável o lapso por parte do DETI e mais ainda o ignorar das diversas advertências. Porém, o ponto que gostava de destacar foi o do custo das excessivas burocracias. O espaço de tempo entre a tomada de decisão e a implementação duplicou as implicações deste problema, ou seja, pode dizer-se que, indiretamente, as excessivas burocracias foram responsáveis por £245 milhões cobrados aos contribuintes.

Este é apenas um episódio de inúmeros onde as burocracias são responsáveis por prejudicar a atividade económica, seja sobrecarregando os contribuintes, seja desincentivando os investimentos. Assim, apesar de achar fulcral a existência de processos para garantir a ordem, acredito que, em diversos casos, deveria haver uma reestruturação, promovendo a eficiência e agilizando os mesmos.

 

Manuel Pereira

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]   

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