segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Desenvolvimento tecnológico é inimigo da classe média?

Ao longo dos últimos 150 anos, a classe trabalhadora manteve uma relação ambígua com as tecnologias, vendo-as tanto como uma ameaça aos postos de trabalho como um apoio às tarefas laborais mais duras. Atualmente, o medo em relação ao desenvolvimento tecnológico tem vindo a acentuar-se, visto que o crescimento da automação e inteligência artificial põe em causa os empregos da classe média. Estas perspetivas para o futuro levantam a seguinte questão: será que o progresso tem de ser socialmente destrutivo?

A revolução tecnológica tem eliminado a necessidade da intervenção humana em profissões típicas da classe média, como técnicos, gestores, auditores, secretárias e até mesmo médicos e engenheiros. As transformações em diversas áreas de atividade obrigaram muitos profissionais a migrar para atividades de menor qualificação, associadas a remunerações também inferiores, verificando-se um fenómeno de mobilidade social descendente. 

Contudo, para os trabalhadores com mais qualificações, pode afirmar-se que para alguns a inovação tem sido benéfica, já que os deslocou para um patamar com salários mais altos. O problema é que estes casos estão em minoria face aos descritos no parágrafo acima. Na realidade, a crescente terciarização da economia, acompanhada pela globalização e desenvolvimento tecnológico, têm gerado a polarização do emprego, assim como um aumento do fosso entre os ricos e os pobres.

Para a maioria da classe média, as condições laborais têm piorado, estando-se a adotar um padrão de trabalho instável, precário e com menor retribuição financeira, onde o poder negocial e organizacional da classe trabalhadora é cada vez menor (apesar da produtividade ter aumentado). Este conjunto de circunstâncias tem contribuído para um declínio deste grupo social, tendo-se verificado, segundo relatórios da OCDE, uma diminuição nas últimas três décadas da proporção de famílias desta camada de 64% para 61%. Em Portugal, observou-se ainda em 2019 que cerca de 69% dos agregados da classe média têm fraca capacidade perante despesas inesperadas, constatando-se que 23,8% das famílias portuguesas estavam sobre-endividadas.

Tendo em consideração este contexto, e sabendo que a classe média é mais propensa a consumir perante aumentos no rendimento disponível que a classe mais rica, é importante não deixar este grupo vulnerável, pois uma redução do consumo pode refletir-se numa menor produção, consequente aumento do desemprego e, por sua vez, diminuição da receita fiscal. Uma dinâmica económica que implique o “estrangulamento” desta classe faz crescer o recurso ao crédito imediato, mesmo que não haja capacidade de pagar futura, pondo em causa a estabilidade do sistema financeiro.

A nível social e político, uma classe média enfraquecida favorece situações de criminalidade e desigualdade, abrindo caminho para a ascensão de governantes populistas, que abalam o sistema democrático.

Apesar da generalidade das discussões ir ao encontro do exposto acima, alguns estudos recentes sobre o impacte das tecnologias no mercado de trabalho revelam que a destruição de empregos pode não ser tão catastrófica quanto se esperava, já que, em 2019, países intensivos em tecnologia apresentavam baixas taxas de desemprego - Alemanha (3%), Coreia do Sul (3%), Japão (2,2%)).

De um ponto de vista pessoal, acredito na perspetiva pessimista, considerando fundamental para um futuro de qualidade: o investimento na qualificação e formação dos indivíduos; uma estreita regulação do trabalho; execução de políticas fiscais e públicas dirigidas à classe média; cautela na utilização da inteligência artificial; legislar o mundo digital; e, se necessário, mediante investigação sólida, implementar um rendimento básico universal.

Em suma, num presente em transformação é importante continuar a procurar soluções para os desafios sociais e económicos resultantes do desenvolvimento tecnológico, mesmo que as previsões nem sempre sejam positivas. Afinal, nunca se sabe o que o futuro nos reserva.

 

Marta Pereira

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]  

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