sábado, 27 de novembro de 2021

Propina zero já, ou “só amanhã”

A luta estudantil para acabar com as propinas já é velha e conhecida por todos. Ao longo dos anos, têm-se vindo a insurgir vários movimentos académicos. “Propina Zero” é o mote para acabar com as propinas ainda que o mesmo esteja longe de acontecer, contudo os seus montantes têm vindo a diminuir.

O constitucionalista Bacelar Gouveia afirma em relação à educação que o ensino básico e o ensino secundário são gratuitos e deve introduzir-se progressivamente a gratuitidade no ensino superior, logo, a aplicação de taxas "é inconstitucional". Como está previsto na Constituição, no artigo 74.º, todos os graus de ensino devem prosseguir rumo à gratuitidade, apesar de existir uma exceção no que diz respeito ao ensino superior, uma vez que este não é obrigatório nem universal.

É importante compreender que um pouco por toda a Europa ocorreu um processo de democratização do ensino baseado num modelo de organização social e educativa que fosse capaz de promover a igualdade de oportunidades de todos os indivíduos no acesso ao ensino superior assentando no pressuposto de que o ensino superior é essencial para o desenvolvimento e crescimento de um país. Como exemplo, “Propina Zero” é já uma realidade em alguns países dentro da Europa, como Áustria, Finlândia, República Checa ou Alemanha.

A revista online Ekonomista, que divulga dados e informações pertinentes acerca de assuntos económicos e financeiros nacionais, apresenta em 2021 uma notícia citando um estudo realizado em 2015/2016 indicando que o custo de um estudante deverá rondar os 21 mil euros, num curso de 3 anos, ou seja, 7 mil euros anuais, em termos mensais um valor próximo dos 600 euros. Desse valor, cerca de 75% destina-se apenas às despesas de alojamento, transporte e alimentação, contrastando com o máximo cobrável numa instituição superior pública, que atualmente não pode exceder os 697 euros.

Desde que há registo, a propina anual era equivalente a cerca de 6 euros, até que surgiu a primeira lei de propinas em 1992, durante a segunda maioria absoluta do então primeiro ministro Cavaco Silva, que classificava o sistema de propinas que vigorava nessa altura como “injustiça escandalosa”. A primeira "Lei das Propinas" estipulava que o seu montante anual cobrável deveria ser definido pelas próprias Instituições de Ensino Superior, o que levou a que no ano letivo seguinte a propina anual aumentasse para 399 euros. Este valor tem vindo a oscilar, seguindo uma tendência média crescente até 2019, ano a partir do qual os ditos valores têm vindo a descer. Em 2019, o valor estava indexado ao salário mínimo nacional mensal, pelo que se cobrava anualmente 1,3 vezes o salário mínimo mensal. Desta forma, o valor máximo cobrável numa universidade era de 871 euros, baixando 20% em 2020 e mantendo-se em igual valor em 2021.

Ainda assim, por forma a ajudar os estudantes a prosseguirem estudos superiores, são atribuídas bolsas de estudo visando fazer face às despesas associadas à sua frequência, permitindo-se assim atenuar a discriminação económica. Assim, deverá pensar-se antes no conjunto de necessidades que existem à volta da frequência deste ensino como, por exemplo, residências estudantis, refeitórios, material escolar, etc.. Sendo a habitação talvez a rubrica com maior peso na despesa, como se verifica na tabela a seguir apresentada, a existência de bolsas tem vindo a permitir a existência de uma maior deslocação a nível da região em que se habita e se estuda.

Comparando com o contexto europeu, o peso das despesas de educação no PIB per capita e na mediana do rendimento dos países coloca os estudantes portugueses entre aqueles que realizam um maior esforço financeiro para estudar, permitindo afirmar sem margem de dúvida que a acessibilidade financeira dos estudantes portugueses é desfavorável  no  contexto  internacional. É de salientar que, além da descida do valor das propinas, o valor mínimo da bolsa  subiu e alargou-se o limiar de elegibilidade para ter acesso a este apoio.

Podemos assim destacar que, em termos gerais, o grau de equidade do Sistema de Ensino Superior Português, aferindo-se a representação de cada grupo social a estudar no ensino superior, é ainda baixo, evidenciando-se um perfil ainda de ensino elitista. Desta forma, para acabar com tal desigualdade deverão ser implementadas e reforçadas políticas públicas, sendo que Portugal é dos países europeus que menos recursos públicos investe nas instituições de ensino superior.

No que a mim diz respeito, não sou apologista da gratuitidade do ensino superior, já que, se assim for, teria de ser financiado pelos impostos de toda a população, mesmo por aqueles que não frequentam ou não têm familiares a frequentar o mesmo, deixando de existir a lógica de “utilizador-pagador”. Digo isto, apesar de compreender a lógica subjacente ao movimento já que o acesso a este ensino é um benefício para o desenvolvimento e crescimento do país.

Para a melhor compreensão da questão, recomenda-se a leitura atenta do documento divulgado pela Fundação Francisco Manuel Dos Santos, “Droga e propinas, Avaliações de impacto legislativo” e ainda “Custos dos Estudantes do Ensino Superior Português, Relatório CESTES2, para a compreensão da condição social e económica dos estudantes do ensino superior”.

 

Hélder Domingues

https://www.ffms.pt/FileDownload/a87ae3c9-b48f-4b3a-a642-aa002faa8148/droga-e-propinas-avaliacoes-de-impacto-legislativo-versao-resumida

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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